RAIMUNDO RICARDO: MALANDRO NÃO PÁRA, DÁ UM TEMPO – PARTE III

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A Procuradoria-Geral da República na província do Moxico foi obrigada a parar uma investigação que realizava em que o principal visado era Raimundo Ricardo, director do gabinete provincial da Educação, Ciência e Tecnologia no Moxico, no cargo desde Abril de 2018. A confirmação do encerramento da investigação foi transmitida à associação cívica Laulenu pelo procurador António Mukuta durante uma reunião em seu gabinete nas instalações do SIC na cidade do Luena.

Segundo o procurador, a PGR está “limitada por motivações políticas”, por isso “sem forças para avançar com as investigações”, cita-lhe o coordenador da Laulenu, Dito Dali. O activista também realçou o interesse da procuradoria em saber quem escreve os artigos que denunciam, factualmente, o esquema de saque do dinheiro público controlado por Raimundo Ricardo. A Laulenu tomou conhecimento que o objectivo é o de acusar de roubo de documentos públicos o autor dos textos, levando-o às barras do tribunal enquanto permanece incólume a rede delapidadora do erário.

Entre as movimentações para a manutenção de Raimundo Ricardo no cargo se destacam dois actos protagonizados pelo governador provincial Gonçalves Muandumba. O primeiro cingiu-se em reafirmar, de modo unilateral, o seu voto de confiança política para com o director do gabinete provincial da Educação, Ciência e Tecnologia. Fê-lo ao manter-lhe na equipa de recepção à visita do presidente João Lourenço, que esteve na província nos dias 12 e 13 de Setembro.

Pouco depois da visita presidencial, em que participou nas reuniões realizadas, Raimundo Ricardo foi tema numa reunião do partido MPLA realizada no seu comité provincial, localizado na rua 10 de Dezembro do Luena, sob direcção do primeiro secretário do partido no Moxico, o mesmo Gonçalves Muandumba.

“Nesse dia, Muandumba pediu aos camaradas do partido que mantivessem a confiança em seu amigo para que continuasse no cargo”, contou-nos um dos participantes da reunião, que acrescentou: “Praticamente estamos [membros do comité do MPLA no Moxico] sem poder para contrapor as decisões do Muandumba”.

A confiança foi dada, mas Muandumba saiu da reunião com outros planos para o seu companheiro. Segundo uma fonte do governo provincial, o governador pretende nomear Raimundo Ricardo como administrador municipal.

Tendo em vista a linha de ajuda financeira para o combate à seca e a fome na província, programa da União Europeia que prevê entregar uma avultada soma ao município dos Bundas, Muandumba quer enviar Raimundo para este município.

Ao se efectivar a pretensão, Raimundo passará a gerir perto de 30 milhões de Kwanzas por mês, nomeadamente, 25 milhões do fundo de combate à pobreza e 5 milhões de Kwanzas de despesas correntes. Isto, note, sem ainda o apoio financeiro da União Europeia para o combate à seca e a fome, calamidade que fustiga o município dos Bundas.

Como já demonstramos nos artigos anteriores, Raimundo Ricardo é um exímio saqueador do dinheiro público sob gestão do gabinete provincial da Educação, Ciência e Tecnologia, que dirige. Espantam-se os populares e até mesmo membros do comité provincial do MPLA que lhe seja “entregue de bandeja o segundo maior município da província”.

 

O CASO VLADIJER, LIMITADA

Raimundo Ricardo, como diz o adágio popular brasileiro segundo o qual “bandido não pára, bandido dá um tempo”, também não pára. Os esquemas de saque mediante ordens de saque sucedem-se.

Na rota dos saques entra uma empresa detida por dois jovens, denominada Vladijer, Limitada, criada em 2014. No papel, a empresa faz tudo, desde prestação de serviços a exploração mineira, venda de combustíveis ou o que “os sócios acordem”. Na prática, não existe. O endereço indicado como lá tendo a sua sede, no bairro Zorró, cidade do Luena, é uma morada inexistente.

Os seus proprietários são Jeremias Chirieno Hitchica e Rosalina Bela Geremias. Gigi, como é conhecido Jeremias, é trabalhador do Banco de Poupança e Crédito no Luena e professor vinculado ao ministério da Educação.

A nossa investigação possui onze ordens de saque que beneficiam a Vladijer, todas emitidas pelo gabinete provincial da Educação, Ciência e Tecnologia. No total, recebeu 13 milhões, 366 mil, 337 e 24 cêntimos de Kwanzas. Finalidade: formação de gestores.

Quando era 17H23 do dia 19 de Novembro de 2018, Raimundo Ricardo autorizou a ordem de saque número 397 cujo beneficiário é a Vladijer, Limitada. Foram três milhões, 67 mil, 424 e 36 cêntimos de Kwanzas que a empresa viu entrar na sua conta do Banco de Fomento Angola. Segundo o documento, os milhões “destinam-se para pagamento de ensino de formação a este gabinete”. No mesmo dia e mês saia dos cofres públicos 893 mil, 478 e 54 cêntimos de Kwanzas destinados ao “pagamento de ensino e formação afecto a este gabinete”.

Os trabalhadores do gabinete de Educação garantem que essa empresa nunca prestou serviços ao sector na província, inclusive a desconhecem. Mais surpresos ficaram ainda quando informamos que todos os pagamentos que a Vladijer, Lda. recebeu do gabinete foram justificados com formação de gestores.

Em Setembro de 2018, Raimundo Ricardo procedeu a duplo pagamento à Vladijer, Lda. com o mesmo valor e mesma finalidade: “ensino e formação do pessoal administrativo deste gabinete”. Enquanto às 20H52 saia dos cofres públicos um milhão e 227 mil, 623 e 51 cêntimos de Kwanzas, a mesma quantia era transferida para a conta da Vladijer, Lda. às 21H19. Assim demonstram as ordens de saque n.º 316 e 318.

No dia 16 de Agosto de 2018, Jeremias e Rosalina viram seu património aumentar com 735 mil, 269 e 86 cêntimos de Kwanzas transferidos do gabinete da Educação supostamente para pagar o “serviço de ensino e formação neste gabinete”, como atesta a ordem de saque n.º 268.

No dia 22 de Julho de 2018 foram duas saídas. A primeira, sob n.º de ordem de saque 207, foi a ordenar o pagamento de 791 mil e 671 e 22 cêntimos de Kwanzas, e a segunda, n.º 217, a pagar 721 mil, 648 e 90 cêntimos de Kwanzas, ambos pela “formação dos gestores escolares”.

Em Maio do mesmo ano, Raimundo Ricardo vestiu a capa de Batman e trabalhou à noite. Durante as horas extras transferiu para a Vladijer, Lda. um milhão, 446 mil, 814 e 50 cêntimos de Kwanzas como “pagamento de formadores e facilitadores do processo educativo no seminário de”. A frase inacabada consta do documento n.º 139..

Supostamente por ter dado “formação e actualização neste Gabinete”, Vladijer, Lda. recebeu um milhão, 254 mil, 83 e 84 cêntimos de Kwanzas, conforme ordem de saque n.º 260.

Em Janeiro do ano em curso, Raimundo faz mais uma saída para a Vladijer, Lda., desta vez um saque de apenas 60 mil e 637 Kwanzas como “pagamento de formação a este gabinete”.

Repetimos a totalidade dos saques sem respectivos serviços prestados: 13 milhões, 366 mil, 337 e 24 cêntimos de Kwanzas.

Para obtermos o indispensável contraditório, contactamos Jeremias, que nos recebeu, a seu pedido, no BPC, balcão na rua Comandante Nzagi, adjacente à sede do governo provincial. No pátio do banco, Gigi adiantou que receava receber a nossa equipa, tendo depois declarado que nada diria quanto aos milhões que recebeu do gabinete provincial da Educação, Ciência e Tecnologia, sem prestar serviços, nem sobre a sua relação familiar com o director do gabinete, Raimundo Ricardo.

A confiança partidária mantém-se, pois Raimundo Ricardo divide os saques com quem lhe preserva no cargo, envolvendo até altos funcionários da Procuradoria-Geral da República e Serviços de Investigação Criminal da província.

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