IMPORTÂNCIA DO ENSINO DO LÉXICO DA LÍNGUA PORTUGUESA

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Castilho Tavares Munjanga Marcolino | Mestrando em ensino da Língua Portuguesa pelo ISCED-Huíla, Licenciado em Linguística Portuguesa pelo ISCED-Huíla, Professor de Língua Portuguesa e Literatura

INTRODUÇÃO

O presente trabalho foi elaborado no âmbito da disciplina de Didáctica da Língua Portuguesa I e tem como objectivo analisar o ensino do léxico da língua portuguesa. Onde procuramos reflectir sobre o ensino do léxico, visto que o ensino de língua, em especial, e o ensino do português como língua materna, tem presenciado um cenário de fracasso escolar, tendo em conta os resultados das avaliações das aprendizagens. Isto tem sido factor propulsivo para se pensar sobre um panorama de transformação para um ensino com qualidade. Tanto os estudiosos, como os documentos oficiais do INIDE (Instituto Nacional de Investigação e Desenvolvimento da Educação) que tratam da educação, têm pensado no ensino com perspectiva de mudanças. A Lexicologia, enquanto área do conhecimento que trata directamente da língua, pode contribuir para a melhoria da qualidade do ensino de língua, em especial, o de língua portuguesa.

O que propomos neste estudo teórico é reflectir sobre alguns dos conceitos fundadores apresentados pela Lexicologia e que envolvem o ensino do léxico e aproximar conceitos estritamente teóricos, advindos de uma área específica da linguagem, com os modos de pensar o contexto de ensino.

Este trabalho está dividido da seguinte forma: contextualização do ensino do léxico, uma abordagem sobre o ensino do léxico, a escola e o ensino do léxico, conclusões e referências bibliográficas.

Palavras-chave: léxico; ensino; Lexicologia.

  1. CONTEXTUALIZAÇÃO

Falar sobre o ensino de línguas pode levar-nos a buscar pela memória uma forma de ensinar baseada em concepções de um paradigma aparentemente ultrapassado, embasado nas ideias positivistas que reflectiam ou reflectem em uma metodologia de como ensinar uma língua. Pode também nos fazer lembrar de listas intermináveis de exercícios mecânicos, focados em palavras ou frases isoladas de um contexto e, de certa maneira, isoladas da realidade social dos alunos inseridos no processo de ensino-aprendizagem de línguas.

O ensino descontextualizado, ou aquele que não considera os aspectos semânticos, pode remeter-nos a um ensino mecânico e não fazer sentido a quem aprende. Acreditamos não ser imprudente considerar esses modos de entender o ensino de línguas como pontos relevantes a serem percebidos como parte do sentimento do fracasso escolar no que diz respeito ao ensino da língua.

Para tal, o trabalho docente não deve estar restrito à sala de aula. No dia-a-dia o professor necessita lidar com os acontecimentos que envolvem o mundo e respingam no ensino da língua. O contexto de ensino d língua situa-se em meio às crises próprias dos tempos líquidos BAUMAN (2007) e está em constantes mudanças, inclusive nas concepções de como ensinar.

As sociedades desse tempo estão permeadas num contexto caótico, tanto em âmbitos económicos e políticos quanto identitários. As crises nas instituições sociais favorecem a falta de qualidade na formação de professores e a permanência do aparente estado de fracasso na escola. Ao mesmo tempo em que aponta a urgência de transformação no ensino da língua para que, de facto, haja o aprendizado da leitura e da escrita na escola, conforme os programadas do INIDE apresentam.

Hoje, novas práticas são necessárias para o ensino da língua. Os saberes teóricos e os da prática têm de ser articulados como um sistema.

Em tempos pós-modernos, entre as novas formas de pensar a prática do professor, como os diversos autores afirmam e citamos aqui FAZENDA (2008), somos levados a reflectir sobre o acto de abranger conceitos teóricos e não mais restringi-los numa “caixa” de conhecimento. Incitam-nos, assim, a abarcar fundamentações teóricas de diferentes e novas áreas para pensar o ensino de maneira global, integrando as partes ao todo.

Dada a situação de crise no ensino, fica evidente a necessidade de um novo pensar e fazer. É preciso pensar a formação do professor como alguém capaz de ver as situações quotidianas de forma não complicadas, não estanques.

Ao buscarmos possibilidades inovadoras e transformadoras do fazer docente para o ensino de língua (que visem à educação interdisciplinar e a transdisciplinar) temos de considerar alguns pontos relevantes, como: a concepção de linguagem/língua/palavra. Faz-se necessário olhar, então, para áreas do conhecimento que tratam dessas noções, acção essa que se constitui numa atitude para promover alguma mudança no quadro de fracasso instaurado no ensino da língua em Angola.

Pensando nessa perspectiva de mudança, uma área da Linguística que tem muito a contribuir com o ensino da língua é a Lexicologia. A lexicologia fundamenta-se no estudo científico do conjunto de palavras de uma determinada língua sob diversos aspectos.

A Lexicologia é uma área do conhecimento que nasce no âmbito da Linguística, entrelaçando conceitos teóricos advindos de diversas subáreas da Linguística, como nos faz entender LORENTE (2004), num tecer de fios sobre a língua: quando entendida como disciplina, a lexicologia se ocupa do léxico das línguas de forma completa e integrada. O léxico situa-se numa intersecção linguística que absorve informações advindas de caminhos diversos, ou seja, da fonética e da fonologia; da semântica; da morfologia; da sintaxe e das situações comunicativas, isto é, da pragmática.

O objecto principal de estudo da lexicologia é a palavra. É por meio dela que criamos frases e textos, enfim, efectuamos a escrita. A palavra é elemento fundamental na língua e se realiza por meio da linguagem.

  1. O ENSINO DO LÉXICO

O ensino do léxico, segundo BARBOSA (2009), tem sido preocupação de pesquisadores tanto da Lexicologia, como das áreas irmãs – a Lexicografia e a Terminologia. Essa preocupação está pautada no facto de o ensino do léxico não ter grande destaque nas instituições de ensino:

 

“é até mesmo, frequentemente esquecido ou desconhecido, no tocante aos modelos e aplicações, de que resulta, qualitativa e quantitativamente, um baixo rendimento, não só na matéria específica da língua, como também em todas as demais, eis que todas se realizam em linguagem (BARBOSA, 2009, p. 31)”.

 

Ensinar o léxico compreende levar em consideração alguns conceitos base: o conceito de léxico e de vocabulário, que aqui vamos brevemente comentar.

O léxico pode ser entendido enquanto sistema aberto e em constante expansão. Não se cristaliza porque é algo vivo, em constante transformação BIDERMAN (2001). Tal qual a ideia de galáxia, onde há universos de limites imprecisos e indefinidos. Numa determinada ordem terminológica, o léxico compreende um conjunto de todas as palavras a disposição do locutor, num determinado tempo GENOUVRIER (1985). Cabe a ele empregá-las e compreendê-las oportunamente, utilizando das palavras que constituem seu arcabouço lexical (léxico individual).

O vocabulário é o conjunto de palavras que o locutor utiliza no momento num acto de fala preciso. Também é a actualização de certo número de palavras pertencentes ao léxico individual do locutor GENOUVRIER (1985).

Ambos os conceitos são elementos presentes no contexto sociopedagógico, lugar onde se dá o trabalho prático do professor. No trabalho com a palavra, há que se considerar a relação de proximidade entre os conceitos de vocabulário e de léxico. O vocabulário é sempre uma parte do léxico individual e este faz parte do léxico num sentido mais amplo, o global. O léxico global compreende o conjunto de palavras vigentes ou circulantes num determinado momento sócio-histórico.

Nesse encadeamento de conceitos envolvendo o léxico, o meio social tem papel relevante no processo de ensino e aprendizagem. O meio implica directamente na selecção e no enriquecimento das palavras que o aluno (primeiramente internalizou e memorizou) selecciona no momento de fala, do uso efectivo da língua, da palavra.

É na experiência quotidiana, em meio a realidade sociocultural, que o indivíduo armazena na memória novas palavras em seu acervo lexical individual. Num processo contínuo que perpassa a vida do indivíduo. “No processo de aquisição da linguagem o léxico é o domínio cuja aprendizagem jamais cessa, durante a vida toda do indivíduo” BIDERMAN (2001, p. 180). Junto à influência do meio no processo de aquisição do léxico há o papel da instituição escolar, ou seja, do ensino formal primordial nesse processo de aprendizagem.

  • A ESCOLA E O ENSINO DO LÉXICO

A escola tem papel fundamental na promoção e ampliação do conhecimento prévio dos educandos, considerando seus diferentes níveis de conhecimento prévio. É esperado que “cada aluno se torne capaz de interpretar diferentes textos que circulam socialmente, de assumir a palavra e, como cidadão, de produzir textos eficazes nas mais variadas situações” INIDE (2008, p. 19).

O conhecimento de diversos géneros textuais, ainda que escolarizados ou ensinados pela escola fora de seu contexto real de uso, contribui para que o educando aprenda a utilizar adequadamente seu arcabouço lexical nas diferentes situações da vida quotidiana.

É na escola que a “cultura verbal” será completada e compensada GENOUVRIER (1985, p. 284). Para o autor, uma das funções do professor de línguas é explicar o sentido e o uso das palavras, inclusive as de terminologia técnica.

No entanto, os modos de ensinar a língua materna não parecem focar no uso e no sentido das palavras. O ensino da língua materna, por exemplo, tem sido marcado por uma sequenciação de conteúdos que se poderia chamar de aditiva: ensina-se a juntar sílabas (ou letras) para formar palavras, a juntar palavras para formar frases e a juntar frases para formar textos.

Não é possível tomar como unidade básica de ensino nem a letra, nem a sílaba, nem a palavra, nem a frase de maneira descontextualizada INIDE (1997, p. 21), sem considerar os sentidos e uso da palavra. A contextualização da palavra deve ser praticada, assim como as relações que ela estabelece com as outras palavras. “A palavra só tem significado na frase, e esta no texto” GENOUVRIER (1985).

Se, por um lado, o papel da escola é promover indivíduos comunicativamente competentes e se, por outro lado, o professor tem a tarefa de contribuir para o aumento do léxico individual do aluno, devemos considerar que o professor de línguas não tem mecanismos para controlar completamente esse enriquecimento lexical do aluno. O professor “não percebe nunca a totalidade do léxico de seu aluno”, segundo o mesmo autor. E no acto de fala, o aluno não utiliza nunca a totalidade de seu léxico.

Considerando as afirmações acima e nos baseando na pergunta já feita por GENOUVRIER (1985), “como ampliar o acervo lexical dos alunos?”), de que modos nós educadores de língua, poderíamos pensar sobre a construção de uma Didáctica para o ensino do léxico?

Cabe ressaltar que o termo “Didáctica” aqui não remete a uma simplificada receita, mas sim ao fruto da reflexão do professor sobre maneiras de atrelar seu conhecimento teórico e os fazeres práticos do professor de língua com as necessidades de desenvolvimento das habilidades discursivas dos educandos.

É clara a necessidade de o professor buscar conceitos teóricos para reflectir e melhorar seu próprio fazer em sala de aula. E, nesse sentido, os conceitos teóricos advindos da Lexicologia e a ideia dessa abordagem teórica como área de aplicação, para além de uma teoria única, com a Lexicologia Aplicada, propicia ao professor e aos alunos uma visão abrangente sobre o ensino do léxico e do vocabulário, por compreender diversos saberes disciplinares relevantes para o ensino de línguas.

Ao conceber o ensino do léxico como algo relevante para promover a habilidade discursiva do educando, conceitos como o de léxico e o de vocabulário terão de ser abordados pelo professor. Palavras que compõem o léxico global, ou seja, aquelas socialmente circulantes, incluindo as gírias e os estrangeirismos poderão entrar no contexto de ensino. Tais palavras, enquanto parte do léxico individual dos alunos, fazem parte do conhecimento prévio desses educandos.

As palavras do conhecimento prévio dos alunos constituem seu vocabulário, ou seja, as palavras que esses falantes usam no quotidiano. Essas palavras familiares para os alunos podem servir como ponto de partida para o ensino da língua. Uma forma de valorizar as noções linguísticas que eles trazem consigo, ao longo de suas vivências fora do ambiente escolar.

Ao mesmo tempo em que é uma maneira de o professor contextualizar o ensino de línguas, partindo de realidade do uso da língua e da palavra. Foge, assim, das situações hipotéticas (e muitas vezes simplificadoras) que ocorrem no processo de ensino e aprendizagem de línguas. O que simplifica e reduz a riqueza que os sentidos das palavras em suas formas reais de uso podem acarretar.

Esse modo abrangente de conceber o ensino de línguas pode contribuir para o alcance da interdisciplinaridade, ou seja, pode contribuir para uma relação dialógica entre os saberes disciplinares.

 

CONCLUSÃO

A Lexicologia é uma teoria da área da linguagem que também pode contribuir positivamente para a ruptura com estado de crise no ensino de línguas, causado pelas antigas práticas de ensino.

A fim de elevar a qualidade do ensino de línguas, há que se ter contacto com teorias para entrelaçar os fios com a prática docente. Conceitos base são requeridos para que se construa um fazer mais significativo para o ensino de línguas. A Lexicologia apresenta um entrelaçamento de áreas da linguagem que resulta em uma forma complexa de ver a noção de palavra e o ensino do léxico e do vocabulário. Ela tem muito a contribuir com o ensino de línguas, atingindo directamente tanto os indivíduos em processo de formação escolar quanto aqueles que buscam a formação contínua, os professores de línguas.

Olhar o contexto e os objectos de ensino como algo complexo implica concebermos o ensino de línguas como possibilidade de entrelaçar conceitos de diferentes áreas do conhecimento, buscando alcançar a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade; buscar o diálogo entre as disciplinas e além delas.

O domínio de uma única racionalidade atrofiou a compreensão, a reflexão e a visão, diz MORIN (2000). O grande paradoxo apontado pelo autor se dá no choque entre avanços gigantescos nos mais variados campos da técnica e a cegueira causada pela segmentação dos saberes. Hoje, o ensino já não deve ser visto pelas lentes do paradigma cartesiano, temos de buscar aprender o que está tecido junto MORIN (2000), considerar a visão do todo e das partes que o compõem.

No contexto de ensino formal, a mescla de abordagens visando melhorar a prática Didáctica é positiva. As abordagens não necessitam ser únicas, parece ser mais enriquecedor para a actividade do professor buscar subsídios em diferentes abordagens.

Os programas do INIDE no que diz respeito ao ensino da língua, por exemplo, foram construídos focando os estudos do “letramento”, relevante área da Linguística Aplicada e da Educação. No entanto, percebemos que a Lexicologia poderia também contribuir para fundamentar as teorias metodológicas para o ensino de línguas, no que diz respeito à noção de palavra e a concepção de léxico e de vocabulário. São assuntos-base que certamente têm muito a contribuir com o trabalho do professor de línguas. Em última instância, poderiam ser concepções transformadoras da prática docente. É certo que o trabalho do professor está sempre em transformação, tal qual o arcabouço lexical dos indivíduos sociais. Em busca de melhorar a qualidade do ensino, há que estabelecer um elo entre a teoria académica e a prática docente.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  1. BIDERMAN, M T. C. (2001). Fundamentos da Lexicologia. In: Teoria Linguística: teoria lexical e linguística computacional. São Paulo: Martins Fontes.
  2. FAZENDA, I. (2006). Interdisciplinaridade: qual o sentido? São Paulo: Paulus.
  3. GENOUVRIER, E.; PEYTARD, J. (1974). Léxico e Vocabulário. In: Linguística e ensino do português.: Rodolfo Ilari. Coimbra: Almedina.
  4. LORENTE, M. (2004). A lexicologia como ponto de encontro entre a gramática e a semântica. In: ISQUERDO, A. N. e KRIEGER, M. G. As ciências do léxico. vol. II. Campo Grande: UFMS.
  5. MORIN, E. (1990). Introdução ao pensamento complexo. Lisboa: Instituto Piaget.

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