O PAPEL DE NJINGA MBANDI NA RESISTÊNCIA DO POVO MBUNDU CONTRA A PRESENÇA COLONIAL PORTUGUESA

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Oliveira Adão Miguel | Mestrando do Ensino da História da África pelo Instituto Superior de Ciências da Educação da Huíla | [email protected] 939326805

Resumo: O presente artigo é um estudo científico ligado ao reino do Ndongo e da Matamba, sendo que dá maior primazia ao papel de Njinga Mbandi na resistência contra o tráfico de escravos e o domínio colonial português. Esta rainha foi uma personagem africana que se destacou durante o consulado do seu irmão Ngola Mbandi como uma grande embaixadora nas negociações que visavam manter a paz e a soberania do reino. Num contexto de um poder bastante “masculinizado”, Njinga se demarcava como rainha logo após a morte do seu irmão Ngola Mbandi em 1623 e sabia encaminhar corretamente os interesses do seu povo. Nas narrativas históricas aparece como uma mulher que tem que ser entendida dentro das circunstancias históricas como alguém que assume várias identidades, pois, se tinha convertido ao catolicismo e depois de algum tempo voltou aos ancestrais e as suas tradições, formou a segunda coligação que lutou contra os portugueses, casou com o Jaga Cassanje para ter o apoio deste diante do exercito colonial português, manteve uma grande aliança com os holandeses de 1641 a 1648, no final da sua vida voltou a converter-se ao catolicismo e morreu a 17 de Dezembro de 1663, com 81 anos de idade.

Palavras-chave: Njinga Mbandi, Resistência, Ndongo e Tráfico de escravos.

Abstract: This article is a scientific study related to the kingdom of Ndongo and Matamba, giving greater priority to the role of Njinga Mbandi in the resistance against the slave trade and Portuguese colonial rule. Njinga Mbandi was an African character who stood out during the consulship of her brother Ngola Mbandi as a great ambassador in the negotiations aimed at maintaining the peace and sovereignty of the kingdom. Njinga was a woman who in the context of a very masculinized power demarcated like queen soon after the death of its brother Ngola Mbandi in 1623 and knew to direct correctly the interests of his town. Njinga appears in the historical narratives as a woman who has to be understood within the historical circumstances, since, had converted to Catholicism and after some time returned to the ancestors and their traditions, formed the second coalition that fought against the Portuguese, married with the Jaga Cassanje to have the support of these before the Portuguese colonial army, maintained a great alliance with the Dutch from 1641 to 1648, at the end of its life returned to convert to the catholicism and died the 17 of December of 1663, with 81 years of age.

Keywords: Njinga Mbandi; Resistance; Ndongo and Slave Trade.

 

INTRODUÇÃO

Os estudos sobre os reinos angolanos pré-coloniais como o caso do Ndongo foram desenvolvidos por escritores estrangeiros que vinham para Angola na condição de missionários, militares ou representantes da coroa portuguesa. Neste particular, destacam-se as obras de João António Cavazzi com o título Descrição histórico dos três reinos: Congo, Matamba e Angola (1687); Ralph Delgado em História de Angola (1948) e António de Oliveira Cadornega na obra História geral das guerras angolanas (1680).

É assim que sem querer esvaziar a natureza histórica destas obras, fizemo-los recurso para reconstruir com alguma penetração as realidades históricas dos reinos angolanos pré-coloniais. Porém, elas são eivadas de elevados preconceitos na descrição das sociedades, reinos, reis e rainhas angolanos. Fonseca (2012: 8) revela que a literatura europeia descreve uma Njinga tirana, selvagem, canibal, extremamente sedutora e perspicaz. Outros autores acrescentam o facto de que ela tinha um posicionamento político contraditório, tendo buscado aliança com os portugueses para destruir os seus inimigos africanos para enriquecer-se com o tráfico de escravo. Estas abordagens são contrabalançadas com o uso de outras fontes que dão uma dimensão maior ao nosso estudo.

O reino do Ndongo foi um reino vassalo do Congo, sendo que pagava tributos. Mas, a partir da batalha do Dande ocorrido em 1556 e com o conflito de 1586 a situação de dependência ficou ultrapassada, pois este reino passou a ser soberano. Para Kamabaya (1978), o contacto com os portugueses Baltazar de Castro e Manuel Pacheco deu-se a partir do ano de 1520, numa altura em que estes procuravam escravos e as minas de prata que existia em Cambambe. A partir deste momento, a situação do reino mudou radicalmente tendo havido bastante resistência da parte dos autóctones (Ngola Kiluanji Kia Samba, Ngola Mbandi e Njinga Mbandi) contra o domínio colonial.

Este trabalho está dividido em quatro partes principais, com referência a origem e fundação do reino do Ndongo; as lutas contra o tráfico de escravos; o consulado de Ngola Mbandi e o reinado de Njinga enquanto heroína do povo mbundu. Desde já, este trabalho não é conclusivo e nem esgota o debate em torno do reino do Ndongo e da rainha Njinga Mbandi.

 

  1. ORIGEM E FUNDAÇÃO DO REINO DO NDONGO: ASPECTOS PONTUAIS

O Ndongo foi um reino fundado pelos povos Ambundu que resultaram da consequência de grandes migrações bantu[1]. A migração do grupo étnico mbundu se fez do leste em direcção ao litoral, provavelmente nos séculos XIV ou XV e este grupo era conhecedor da agricultura e da metalurgia. O reino localizava-se entre dois importantes rios da região: o Kwanza e o Bengo.

As fontes sobre a fundação do reino Ndongo não são muito assertivas. Porém, de acordo com a tradição oral, o fundador deste reino foi Ngola Mussuri, um rei que dominava muito bem a prática do ferro e fazia machados e machadinhas para a caça e a agricultura e por reconhecerem sabedoria, os outros chefes mbundu o proclamaram rei do Ndongo. Mas quem expandiu e desenvolveu o reino foi Ngola Kiluanje Kia Samba, o rei guerreiro (Cavazzi, 1687 citado por Fonseca, 2012:23).

Para Cadornega (1680), a presença de um rei ferreiro fundador do reino tem sentido por que naquela altura era uma profissão muito estimada pelos mbundu e carrega em si a ideia de poder mágico, garantia da fertilidade da terra, a reprodução do seu povo e passou a ser o mediador entre o mundo dos mortos e dos vivos.

O reino era bastante organizado e do ponto de vista político-administrativo, o Ngola tinha muitos funcionários reais, com um sistema bastante burocrático e divisão social do trabalho. O Ngola Mbole era o capitão geral da gente da guerra; o Tendala representava o poder político em todas terras do Ngola; os Macotas eram os mais velhões conselheiros da guerra e da paz e decidiam as coisas mais importantes do reino; o Muenelumbo era o responsável por guardar as cercas e os muros.

Fonseca reforça a ideia de que a sociedade do Ndongo estava estratificada através de duas categorias, com os Murinda que eram homens livres e estavam organizados em linhagens matrilineares em sobados, de um lado e do outro lado, havia os Kijiku, população não livre que vivia na aldeia e fora do sistema de linhagem. Estes eram homens que perdiam a sua liberdade por motivos de guerra, delitos e outros crimes de caracter grave. Os seus descendentes eram conhecidos por Ijuku, não eram vendidos e ao longo do tempo eram integrados na família do seu senhor[2].

O reino tinha uma extensão gigantesca e era dividido em várias províncias, como o Ilamba, Lumbo, Massangano, Mosseque, Are, Umba, Quissama e Libolo. A sua capital era Cabaça (Cardonega, 1680).

O Ndongo era vassalo do reino do Congo e por isso tinha que pagar gados como parte do tributo anual. Com o tempo e fruto do domínio da técnica do ferro para produzir instrumentos de trabalho e armas de guerra, em 1556 na batalha do Dande a situação entre os dois reinos mudou consideravelmente, sendo que no ano de 1586, houve um conflito de autoridade entre o Ngola e o rei do Congo que terminou com a fixação da fronteira entre os dois estados no rio Dande, tendo dado origem a independência definitiva do Ndongo.

  1. PORTUGAL E O NDONGO: AS LUTAS CONTRA O TRÁFICO DE ESCRAVOS

Falar sobre a presença dos portugueses no reino do Ndongo, nos remete a olhar para o grande projecto de expansão marítima europeia desenvolvido pelas nações europeias. No entanto, os portugueses e os espanhóis tiveram a proeza de serem pioneiros deste acontecimento histórico e aventuraram-se desde muito cedo a explorar o Oceano Atlântico abrindo novas veredas para o comércio com o Oriente.

A grande expansão marítima europeia se iniciou com Portugal quando em 1415 tomou Ceuta cidade comercial árabe norte-africana (Schneeberger, 2006:134). Outras viagens foram feitas, mas importa-nos ressaltar a viagem de 1482 na qual se entabulou os primeiros contactos entre o Reino de Portugal e o maior Reino Banto da África Central Ocidental: o Reino do Congo (Wheeler & Pélissier, 2009:59).

A presença dos portugueses comandados por Diogo Cão nas margens do rio Zaire modificou significativamente a situação política do reino do Congo e de outros reinos angolanos. Mesmo que no princípio as relações eram obsequiosas pelo facto dos reis de Portugal e do Congo tratarem-se no dizer de Davidson (1978: 114) como “reis amigos e irmãos” e que no ano de 1512 o rei de Portugal terá aconselhado o seu homólogo a adoptar os títulos aristocráticos portugueses e davam-se presentes, a situação tomaria o rumo acrimonioso por conta do tráfico de escravos, uma acção que se vai revelar ao longo dos tempos[3].

O tráfico de escravos difundido pelos interesses mercantilistas portugueses, a invasão dos Jagas e a batalha de Ambuíla de 1665 onde o Mani Mulaza (D. António I) terá saído vencido, aceleraram o declínio de um reino augusto e majestoso que florira ao longo de vários séculos na região da África Central (a federação Congo). Só depois disso se inauguraram as investidas contra o reino do Ndongo.

O Ndongo começou a ter a presença portuguesa devido aos relatos da existência de uma grande densidade populacional que poderia servir o comércio de escravos. Em 1514 foi organizada uma expedição portuguesa contra o chefe mbundu, tendo resultado em cerca de quatrocentos escravos (400) que os portugueses receberam para exportar ao porto de Mpinda.

Para Kamabaya, (2011: 86), a presença dos portugueses Baltazar de Castro e Manuel Pacheco em 1520 no reino do Ndongo com orientações do rei de Portugal era de procurar escravos e identificar o local onde se encontravam as minas de prata que existiam em algum lugar de Cambambe. A chegada destes portugueses teve uma grande resistência dos nativos, sendo que Manuel Pacheco foi morto e Baltazar Pacheco foi feito escravo durante seis anos (1520-1526) e só foi liberto graças ao pedido do D. Afonso I do Congo que tinha boas relações com o rei do Ndongo.

Quando Baltazar Pacheco regressou à Portugal, revelou que as famosas minas de prata se encontravam em Cambambe. Foi nesse sentido que no reinado de D. Sebastião, os portugueses enviaram ao Ndongo Paulo Dias de Novais no ano de 1560. Foi preso por Ngola Kiluanje Kia Samba (rei guerreiro), tendo-lhe feito por prisioneiro durante cinco anos e só foi liberto depois da invasão dos Bayaka.

No intuito de conquistar o reino dos Ngola, Novais regressou à Luanda a 20 de Janeiro de 1575, composto por sete navios, onde estavam mais de sete navios de mercadores, perfazendo um total de catorze navios. Trouxe armas, homens e documentos do rei que autorizava a conquista violenta e a governação do território, tendo levado 400 soldados e 100 famílias de colonos. Fundou a capitania de Luanda aos 25 de Janeiro de 1575[4].

Para reforçar a presença na região, construiu um conjunto de presídios: Calumbo (1577), Muxima (1599), Massangano (1583), Cambambe (1583), Ambaca (1611), Pungo-a-Ndongo (1617). Estes fortes serviram de ponto de partida para a ocupação do resto do território de Angola, porém, sempre houve a resistência da população nativa (Pedro, 2006:89).

Kamabaya (2011) acrescenta que no consulado de Paulo Dias de Novais, Luís Serrão e D. Francisco de Almeida, o Ngola Kiluanje desbaratou várias batalhas contra os portugueses e inclusive reuniu os reinos da região, como o Congo, Dembo e Matamba na primeira coligação dos estados do Kwanza em 1590. Este rei tornou difícil a ocupação do reino do Ndongo e causou a morte de vários timoneiros portugueses.

  1. O CONSULADO DE NGOLA MBANDI E OS ACORDOS DE PAZ DE NJINGA MBANDI

De acordo com os estudos de Cavazzi (1687), os reis que passaram pelo trono do reino do Ndongo são, Ngola Mussuri ou Inene (o rei fundador e ferreiro), Zunda Dia Ngola (filha), Tunda Dia Ngola (filha), Ngola Kiluanje Kia Samba (foi o rei que expandiu o poder dos Ngola para outros limites geográficos), Ndambi Ngola, Ngola Kiluanji Kia Ndambi, Nzinga Ngola Kilombo Kia Kasenda, Mbandi Ngola Kiluanji, morto em 1617.

Cavazzi faz uma descrição histórica da subida ao trono do rei Ngola Mbandi em 1617 como sendo vingativa tendo morto o filho de Nzinga e um outro irmão e através da água fervente ou ferros em brasa tirou as irmãs a esperança de terem filhos. A partir deste momento se desenvolveu um odio visceral da parte das irmãs contra ele (Idem:65)

Este rei ao assumir o trono enveredou directamente para a guerra contra os portugueses como tinha feito o seu pai, as razões deste surge em virtude dos portugueses construírem o presidio de Ambaca que estava dentro do território do Ndongo.

Entretanto, Ngola-Mbandi invadira com o seu exército as regiões dos portuguese, mas foi derrotado pelo valor deles, ficando devidamente castigado pela sua loucura e deixando presas até a própria mulher e as duas irmãs Funji e Cambo (Cavazzi, 1687: 66).

Diante da fragilidade do exército do Ngola Mbandi, foram derrotados na batalha contra os portugueses e só restava a possibilidade de fazer-se um acordo de paz com intuito de restabelecer as boas relações, pôr fim ao conflito e retornar a antiga aliança. É assim que o Ngola tomou a decisão de enviar para Luanda a sua irmã Njinga para servir de embaixatriz (ngambele) diante do governador de Luanda e impunha as seguintes condições para aceitar a paz: retirada do presidio de Ambaca das proximidades de Cabaça; afastamento do Ndongo do jaga Cassanje; restituição dos sobas e Kijicos de sua obediência aprisionados pelo governador Luís Mendes de Vasconcelos, pois não podia ser rei sem vassalos[5].

A comitiva das negociações do Ngola foi presidida pela Njinga que soube encaminhar para um lado positivo os interesses do reino. Por agir como uma grande embaixatriz de um reino soberano teve algumas vitórias no processo. Com alguma modéstia Cavazzi faz a seguinte declaração sobre o encontro ocorrido entre Njinga e o governador João Correia de Sousa:

Entrou na sala, e, vendo colocada no lugar de honra uma cadeira de veludo com enfeites de ouro para o governador e em frente duas almofadas de veludo dourado sobre o tapete, conforme o costume dos príncipes da Etiópia, parou e, sem mostras de embaraço e sem proferir palavra, acenou só com um olhar a uma das donzela, que imediatamente se deitou no chão atras da sua senhora, servindo-lhe de cadeira durante todo o tempo da audiência (Idem:67-68).

As negociações giraram em torno da paz e aliança que os Ngola pretendiam fazer com os portugueses. Os portugueses a princípio impunham ao reino do Ndongo a necessidade de reconhecerem a coroa portuguesa e pagariam tributos, porém, Nzinga respondera que aquela condição só se podia exigir a uma nação submetida. O que aconteceu de seguida foram acordos de mútuas cedências, onde os portugueses exigiam a libertação dos escravos portugueses e se previa um acordo de mútua assistência entre as duas nações contra os inimigos comuns (Idem:68).

As negociações de Njinga minimizaram os conflitos, mas não foram suficientes para acabar com os interesses dos portugueses que continuavam empenhados em adquirir escravos e dominar o reino do Ndongo.

  1. NZINGA: A HEROÍNA INESQUECÍVEL DA HISTÓRIA DA RESISTÊNCIA ANGOLANA

A Rainha Njinga (1582-1663) é uma personagem histórica controversa nos relatos de portugueses com visão eurocentrista que avaliam apenas o seu lado negativo e não admitem as acções positivas enquanto líder do povo do Ndongo e da Matamba[6]. Do seu histórico consta que ao assumir o trono matou os seus rivais e o seu sobrinho, vingando-se do seu irmão Ngola Mbandi que tinha morto o seu filho.

Para Weber (2014:59), Njinga enfrentou os colonizadores portugueses no sudoeste da África do século XVII na condição de Ngola (rei/rainha) do Ndongo, a partir de 1624, e a partir de 1631, também da Matamba, compreendendo o seu reinado o período holandês (1641-1648). É muitas vezes interpretada como símbolo da resistência africana em geral e do nacionalismo angolano em particular.

O grande fascínio desta personagem emana provavelmente do facto de ela ter sido capaz de impor-se no trono como mulher num contexto supostamente patriarcal, ter sido uma diplomata audaz, mas também uma guerrilheira violenta e supostamente com atitudes “viris”.

Com a subida ao trono, Njinga reiterou a necessidade do governador Fernão de Sousa de transferir o presídio de Ambaca para longe de Cabaça. E como os portugueses não se mantinham fiel as promessas, Njinga convenceu os escravos a fugir de Luanda.

Weber a esse particular diz o seguinte:

No documento de 1625, Nzinga Mbandi é acusada de portar escravos pertencentes à coroa portuguesa e, apesar das solicitações e negociações, ela declara que não os entregará e que continuarão a compor seu exército. Fernão de Souza sugere que a rainha seja castigada, sendo substituída por um vassalo submisso e fiel aos interesses de Portugal. Em carta datada de 1626, o governador continua queixando-se sobre as atitudes de Nzinga Mbandi e afirma a ilegitimidade da mesma em liderar em virtude de ser mulher, sugerindo que guerras fossem declaradas ao território por ela administrado (idem: 80).

Njinga ofereceu asilo para escravos foragidos das plantações dos portugueses e manteve o controlo do tráfico de escravos no reino da Matamba.

A política colonial foi sempre de dividir para melhor reinar, por essa razão o governador Fernão de Sousa decidiu em 1625 colocar o rei Aiidi Kiluanje no trono do Ndongo para ilegitimar o consulado de Njinga. O mesmo se seguiu em 1626 ao subir ao trono o soba de Pungo-a-Ndongo, Ngola Ari (D. Filipe)[7]. Esta situação promoveu conflitos constantes entre os portugueses e a rainha.

Njinga para Davidson (1978: 116), é conhecida como a rainha corajosa, expulsa do Ndongo, sua pátria, procurou pela via diplomática negociar com os portugueses e não teve êxitos, de seguida decidiu partir para a via militar.

Njinga, surgiu em circunstâncias muito difíceis para o seu reino. No dizer de Fonseca (2012: 119). O Ndongo estava fragilizado depois da guerra iniciada em 1617: as feiras estavam paralisadas, o Ngola refugiado na ilha do Kuanza, parte do território ocupado pelo Jaga Cassanje e o seu bando de guerreiros fortemente armados. Como diplomata foi capaz de fazer vários acordos com os governadores como o João Correia de Sousa que evitou que o reino do Ndongo fosse destruído totalmente. Apresentou-se como uma embaixadora soberana, tendo-se imposto com pompas, brio e dignidade diante dos seus algozes. No âmbito das negociações, conseguiu obter da parte de Portugal a promessa de que não haveria qualquer tipo de vassalagem, o pagamento de tributo anual a coroa portuguesa e expulsão do Jaga cassanje.

Njinga sabia que precisaria do apoio militar dos portugueses no alcance dos seus objectivos e por essa razão se converteu ao catolicismo como parte da sua estratégia de luta. Ao ser baptizada pela igreja aos 40 anos, em 1622, tendo recebido o nome de D. Ana de Sousa, tendo como padrinhos o governador (João Correia de Sousa) e sua esposa (D. Jerónima Mendes), acredita-se que a conversão foi estrategicamente política para ganhar a confiança dos portugueses (Galvão e Selvagem, 1952 citado por Mucuatxilamba, 2006: 84).

Um olhar analítico de Fonseca (Idem:120) sobre essa questão diz que o baptismo de Nzinga fazia parte da estratégia politica que visava alcançar a paz para o reino do Ndongo que já se encontrava fragilizado pelas investidas militares do antigo governador Luiz Mendes de Vasconcelos.

Por falta de incumprimento da parte do governador Fernão de Sousa das cláusulas previstas no acordo de paz de 1622, Njinga fez aliança e casou-se com o novo Jaga Cassanje, voltou as práticas dos seus ancestrais, abandonando a religião católica. Devidas as investidas portuguesas, em 1635, fez a segunda coligação que integrava a Matamba, o Cassanje, os Dembos, a Quiçama, o Congo e muitos outros sobados que não reconheciam o reinado de Ngola Ari I (Mucuatxilamba, 2006: 85).

Aproveitando a conquista de Luanda pelos holandeses a 24 de Agosto de 1641, a rainha preferiu fazer aliança para combater os portugueses. Esta situação continuo até ao momento em que os holandeses foram derrotados pelos portugueses em 1648. Face a essa situação Njinga sentiu-se na obrigação de fazer um novo acordo de paz com o governador Salvador Correia de Sá que previa a libertação da sua irmã Mocambo (D. Bárbara) e a rainha devia consentir na sua capital a entrada e instalação de capuchinhos italianos. Em 1656 voltou a assinar um acordo de paz que molestava o seu reino pelo facto se sentira na obrigação de pagar um imposto anual em escravos e assistência militar aos portugueses.

Por conta desta situação, a segunda coligação caiu por terra e Njinga retornou a religião católica. A 17 de Dezembro de 1663, com 81 anos de idade a rainha do Ndongo e da Matamba teve a sua morte e os dois reinos mesmo com os seus sucessores (reis e rainhas) já não tiveram a mesma integridade soberana.

Rubel (2014: 7) em relação a Njinga diz:

A táctica de guerra e de espionagem, as suas qualidades como diplomata, a sua capacidade para tecer múltipla e estratégicas alianças, e por fim o seu conhecimento das implicações comerciais e religiosas, permitir-lhe-ão opor resistência tenaz aos projectos coloniais portugueses até à sua morte em 1663.

A história desta mulher guerreira serviu de incentivo e inspiração para os movimentos de libertação nacional em Angola, apresentando-se como um ícone do protonacionalismo.

 

CONCLUSÃO

A rainha Nzinga é uma das figuras mais emblemáticas da resistência angolana contra o poder colonial. Jamais admitiu que o seu território fosse ocupado pelos portugueses e por isso recorreu a todos meios para salvaguardar a independência do seu reino. Usou a via diplomática conversando directamente com os governadores portugueses, para alcançar o acordo de paz. Neste quesito se converteu ao cristianismo (catolicismo) como parte da estratégia ou boa-fé; usou da via militar para contrabalançar a falta de cumprimento nos acordos traçados por parte dos portugueses e fez a segunda coligação que reuniu os reinos da Matamba, do Cassanje, os Dembos, a Quiçama, o Congo e muitos outros sobados que não reconheciam o reinado de Ngola Ari I.

Njinga Mbandi mesmo sendo uma mulher, foi vista oportunamente como uma grande opositora de Portugal. É reconhecido por muitos investigadores como apta a liderar por ser uma exímia diplomata e elogiada pela capacidade guerreira e pelas manobras políticas que assustavam os próprios adversários. (Weber, 2014: 76).

Os registos de autores eucentristas a pintam como sendo a mulher-demônio, com poderes sobrenaturais por ter-se juntado aos jagas e aceitado os rituais daquele povo guerreiro. O que não vem a tona é o facto de que ela se juntou aos jagas por que os portugueses não foram capazes de cumprir os sucessivos acordos de paz estabelecidos entre as partes.

A coligação com os jagas foi muito importante para Njinga pelo facto destes se comprometerem militar e ideologicamente capazes de cumprir com as suas orientações. Portanto, Njinga manteve-se fiel ao seu povo até a morte, sendo que deixou a Matamba independente e o Ndongo só foi conquistado em 1671.

 

BIBLIOGRAFIA

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WIESER, Doris (2017). A Rainha Njinga no diálogo sul atlântico: género, raça e identidade. Universidade de Lisboa, Centro de Estudos Comparatistas, Portugal.

 

[Notas]

[1] Num primeiro momento acredita-se que os bantu estavam confinados a região do vale médio do Benué, de onde se terá processado as migrações para outras paragens do continente africano. O processo migratório terá sido feito por duas vias: um grupo partiu para Oeste e mais tarde através da Savana Atlântica atingiu a região Sul; um outro grupo seguiu para Leste através das Savanas do Norte e dos planaltos que cercam os Grandes Lagos. Por essa via atingiram a região do planalto Luba, no Shaba (acredita-se que nessa região se terá instalado o primeiro grupo bantófono), dai seguiram para África Austral, tendo atingido o território angolano (Bahu, 2011: 53).

[2] Fonseca, 2012: 26

[3] Douglas Wheeler & René Pélissier (2009: 62-63) na obra com o título História de Angola diz que “o resto da história das relações entre o Congo e Portugal é um capítulo cinzento. O comércio de escravos português aumentou de intensidade. O porto de Mpinda em território congolês, foi o primeiro grande palco da compra e exportação de escravos na região. Em 1550, os navios portugueses embarcavam escravos a razão de oito mil a dez mil indivíduos para as plantações de açúcar nas ilhas de São Tomé e Príncipe e para as fazendas portuguesas no Brasil. O Congo foi severamente afectado pelo crescimento do comércio de seres humanos. A perda de milhares de jovens adultos do sexo masculino e a hostilidade e o rancor das campanhas de guerra lançadas para obter escravos entre os povos vizinhos contagiaram o Congo e trouxeram algumas consequências políticas: A descentralização da autoridade, guerras civis entre as províncias do Congo e uma negligência das pessoas administrativas, artísticas e económicas em prol do comércio de escravos. Em 1600 o Reino do Congo estava em pleno declínio (…)”.

[4] Este assunto pode ser aprofundado usando o material de apoio de História de Angola I: Das origens até 1885 de Txuma Fernando Mucuatxilamba, produzido em 2006 no Instituto Superior de Ciências da Educação da Huíla.

[5]  Delgado, II Vol, S/d citado por Mucuatxilamba, 2006, p. 83.

[6] “Todos os termos que a ela se referem semanticamente, possuem um caráter duplo, de exaltação ou desqualificação, estando sempre atrelados às atividades portuguesas na África. A maximização dessa personagem que vai ultrapassar oceanos e séculos está diretamente ligada aos acontecimentos que envolvem Portugal” (Weber, 2014:68).

[7] Fonseca, 2012: 133

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