MILHÕES ANGOLANOS: O GENERAL DINO, OS TESTAS-DE-FERRO E OS DIVIDENDOS MILIONÁRIOS – FIM

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Nos documentos confidenciais que juntou aos processos-crime portugueses, o advogado Paulo Blanco chegou a escrever que as fortunas dos generais Kopelipa e Leopoldino “Dino” Nascimento tinham algumas explicações singelas: tratava-se de homens “poupados”. No caso do general DIno, este teria até recorrido a créditos bancários para realizar investimentos, na década de 90 do século XX, na Bolsa de Valores de Lisboa. O advogado não pormenorizou o tipo de investimentos, mas concluiu que “felizmente” se “revelaram bastante lucrativos”.

Fonte: Sábado | Por António José Vilela e Carlos Rodrigues Lima

Mas, para provar a origem do dinheiro, o advogado conseguiu que o general angolano especialista em telecomunicações permitisse que fossem entregues à justiça portuguesa duas declarações de empresas angolanas: a Unitel, a primeira e a maior operadora de telemóveis de Angola, controlada por Isabel dos Santos, filha de José Eduardo dos Santos; a Geni, SARL, a empresa de que Leopoldino era o principal accionista. A leitura cruzada dos dois documentos confidenciais revela que, entre 2007 e 2010, a Unitel distribuiu 500 milhões de dólares (cerca de 467 milhões de euros ao câmbio actual) de dividendos à Geni. E que, no mesmo período, a Geni pagou também dividendos ao accionista Leopoldino avaliados em cerca de 143 milhões de dólares (120 milhões de euros ao câmbio actual).

A “PT Angolana”: Entre 2007 e 2010 a Unitel, empresa de telecomunicações angolana liderada por Isabel dos Santos, distribuiu pelos accionistas 560 milhões de dólares em dividendos. “Dino” do Nascimento também recebeu através da Geni

 

Outro empresário de sucesso

Ainda segundo os registos de Paulo Blanco, e tal como sucedera com a mulher do general Kopelipa, as empresas Damer, Portmill e Delta também lhe remeteram declarações a garantir que pagaram, entre 2007/10, remunerações a uma outra directora, Amélia Nascimento, a mulher do general Dino. No total, os pagamentos atingiram pouco mais de 3 milhões de euros.

Rafael Marques de Morais | DR

O jornalista angolano Rafael Marques escreveu repetidamente que Vicente, Kopelipa e Leopoldino eram muitas vezes a face da mesma moeda em termos de negócios obscuros privados feitos com bens públicos. E que os três usaram inúmeros testas-de-ferro em empresas que controlavam em Angola e fora do país. Nos processos-crime que visaram os três angolanos em Portugal, o advogado Paulo Blanco usou os registos oficiais de algumas dessas empresas apontadas por Rafael Marques para provar que o jornalista mentia. Mas um facto parece evidente nestas questões de Angola quando lêem os registos encontrados no escritório do advogado em Lisboa e se cruza essa informação com os documentos oficiais dos processos e outros dados entretanto tornados públicos: a verdade é um conceito em evolução.

A explicação é simples. Para recolher parte das informações que precisava para os processos em curso em Portugal, o advogado manteve dezenas de contactos, sobretudo entre 2011/13, com três testas-de-ferro – os portugueses Armindo Pires (a ligação a Manuel Vicente e hoje também acusado de corrupção) e Isménio Macedo e o angolano Zandre Finda. Isménio também foi cliente de Blanco devido à compra de um apartamento de luxo no Estoril, mas tanto ele como Finda, e segundo os mesmos dados apreendidos na Operação Fizz, parecem fazer a ligação a Kopelipa e Leopoldino Nascimento. Foram sobretudo estes testas-de-ferro que forneceram a Blanco inúmeros dados sobre os patrões, inclusive cópias de currículos, cartões de contribuintes e bilhetes de identidades.

MP: O advogado Paulo Blanco revelou a Leopoldino do Nascimento que tinha mantido um “contacto permanente” com o procurador Paulo Gonçalves com “vista” ao arquivamento de um processo que corria no DCIAP contra o general angolano. O caso viria a ser arquivado

Ainda que, por vezes, o advogado também contactasse directamente os clientes poderosos. Pelo menos, alguns deles. Numa carta dirigida a 1 de Outubro de 2013 e entregue “em mão” ao general Leopoldino Nascimento, Paulo Blanco remeteu-lhe uma cópia de um dos requerimentos que tinha feito no processo relativo à denúncia de Adriano Parreira. E também lhe disse o que estava a fazer nos bastidores do processo que se encontrava em segredo de justiça. “Mais informamos, rogando a V.Exª total reserva, que temos mantido um contacto permanente com o magistrado do Ministério Público titular da investigação [Paulo Gonçalves], aliás testemunhada pessoalmente por amigos comuns, com vista ao arquivamento do processo”.

 

O advogado multitarefas

Até se zangarem em definitivo, em Setembro de 2013, Zandre Finda era um dos principais contactos de Paulo Blanco. Tratava-se de um advogado licenciado na Universidade Lusíada que em Portugal era sócio e administrador de várias empresas dos sectores do imobiliário, do comércio e do turismo, mas que era sobretudo mais um homem da Sonangol. Além disso, desde 2009 passara a gerir a Nazaki Oil & Gas, SA (uma petrolífera que o jornalista Rafael Marques garantia ser detida pelo vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, e pelos generais Kopelipa e Leopoldino Nascimento) e a Portmill, um dos accionistas do BES Angola que também passou a ser investigada por esta altura.

Álvaro Sobrinho | DR

Apesar de o banco instalado em Angola ser maioritariamente do BES, teve sempre importantes sócios minoritários locais, a começar pelos dois accionistas individuais que eram, segundo o acordo para-social do BESA de 2009, o próprio presidente-executivo do banco, Álvaro Sobrinho, e um dos administradores não executivos, Hélder Bataglia, que tinham na altura cada um 2,53% do capital social. Mas os principais sócios minoritários do BESA eram duas sociedades – a Geni (desde 2004, com 18,99%) e a Portmill (desde 2009, com 24%) – controladas pelos generais Leopoldino e Kopelipa, não surgindo este último directamente ligado à Portmill.

Quando o Ministério Público português começou a investigar a aquisição accionista do BESA pela Portmill, depois de uma participação feita em 2011 à CMVM, a inspectora Patrícia Corrêa escreveu o seguinte no primeiro relatório da PJ sobre o caso: “Estamos, sem dúvida alguma, perante um eventual crime praticado por entidades e sujeitos angolanos, pelo que é importante perceber quais os trâmites do negócio para tentar seguir a trajectória do montante em causa e perceber também a sua origem”.

No relatório, a PJ sugeriu ao MP que fossem pedidas ao BES cópias de todos os documentos do negócio, por exemplo, quem tinham sido os reais intervenientes e as contas bancárias usadas na transacção das acções do BESA. O magistrado Orlando Figueira concordou com a estratégia, decretou a quebra do sigilo bancário e pediu os documentos ao BES. Optou também por mandar uma carta rogatória para Angola a solicitar a inquirição dos donos de acções da Portmill. O objectivo do MP era apurar qual tinha sido a origem do capital e do património dos sócios da Portmill. E quem eram os sócios.

 

E os sócios ocultos da Portmill

Pouco tempo depois, a defesa da empresa angolana contactou por escrito o DCIAP. Depois de alertar que tinha tido conhecimento público do processo, o advogado Paulo Blanco informou o MP que o administrador da Portmill era Zandre Finda e, por isso, o responsável pelo negócio com o BES feito através de um financiamento bancário concedido pelo Banco Angolano de Investimento (BAI), que implicara duas transferências internacionais, realizadas através do Banco Nacional de Angola, e com origem nos EUA – 350 milhões de dólares via Deutsche Trust Company Americas e 50 milhões de dólares do The Bank of New York Mellon.

143 milhões de dólares foi quanto a sociedade Geni pagou, entre 2007 e 2010, ao accionista Leopoldino do Nascimento, já considerado pelo jornalista Rafael Marques como um dos homens mais ricos de Angola

Segundo um documento interno do BAI, de 16 de Janeiro de 2012, o empréstimo à Portmill foi concedido a 7 de Dezembro de 2009, três dias depois de o Banco Nacional de Angola autorizar formalmente a empresa a comprar 24% do BESA. Na altura do negócio, o vice-presidente do BAI era Manuel Vicente, o também poderoso administrador da petrolífera estatal Sonangol que, em Setembro de 2012, foi nomeado vice-presidente de Angola.

O MP ainda insistiu na investigação solicitando à Portmill que identificasse os titulares das contas bancárias de onde saíra o dinheiro para pagar o negócio. Mas Paulo Blanco invocou que o negócio estava sujeito aos “segredos comercial e bancário” e que mais esclarecimentos não tinham de ser dados a Portugal porque Angola era um “país independente”. A investigação não avançou muito mais, até porque o capital social da Portmill estava, em 2011, “dividido em [120 mil] acções ao portador”. Assim, nem a própria empresa conheceria, “a todo o momento, a identificação dos titulares das acções”, conforme frisou Paulo Blanco ao MP.

Hoje, sabe-se que não era bem assim. Quando em Outubro e Novembro de 2013 Ricardo Salgado se reuniu em Angola para discutir o buraco financeiro do BESA, os únicos angolanos que se pronunciaram na assembleia-geral extraordinária foram os generais Dino e Kopelipa. O último representava o “accionista Portmill”.

 

 

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