INVESTIGAÇÕES EM ANGOLA: “TODOS OS CAMINHOS LEVAM A JOSÉ EDUARDO DOS SANTOS”

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Exonerações e detenções para combater a corrupção dominam o debate em Angola. Mas para o jurista Rui Verde, havendo investigações, “no final da história” estará sempre o ex-Presidente José Eduardo dos Santos.

As exonerações e detenções de altas figuras ligadas ao antigo Presidente José Eduardo dos Santos dominam o debate em Angola. Um artigo publicado esta terça-feira (23.10) pelo portal Maka Angola, intitulado “O caminho de Angola para a justiça: processando os culpados e recuperando os bilhões roubados”, diz que inúmeras investigações foram levadas a cabo para levar à justiça pessoas acusadas de beneficiarem ilicitamente durante os anos de Governo de José Eduardo dos Santos.

Alguns nomes de peso, como o antigo vice-Presidente de Angola, Manuel Vicente, aparecem em diversas denúncias. A DW África entrevistou o jurista e colaborador do Maka Angola Rui Verde, para saber como figuras do alto escalão angolano terão beneficiado de operações ilícitas e como poderão ser afetados pela “caça às bruxas” e combate à corrupção do atual Presidente de Angola, João Lourenço.

DW África: De que forma o antigo vice-presidente angolano Manuel Vicente, o general Manuel Hélder Vieira Dias, conhecido como “Kopelipa”, e o tenente-general Leopoldino Fragoso do Nascimento “Dino” terão beneficiado de forma ilícita do Banco Espírito Santo Angola (BESA)?

Rui Verde: A resposta parece simples: ficaram com o banco para eles próprios, aparentemente sem terem pago “um tostão”. O que vem descrito é uma série de operações que estas pessoas fizeram com facilidade por estarem ligadas ao poder angolano. Tomaram conta desse banco [BESA], transformando-o no atual Banco Económico. O método concreto foi uma assembleia geral, que reduziu o capital oficial do banco a zero, e em que eles depois disseram que entrariam com capital oficial, e terão entrado com esse capital, um ano depois, mas fruto de um empréstimo dado pelo próprio banco. Ou seja, foi o próprio banco que, supostamente falido, deu-lhes o dinheiro para entrarem com capital oficial para o banco, uma situação a confirmar-se fraudulenta.

DW África: Especificamente em relação ao antigo vice-presidente Manuel Vicente, dada a relação de proximidade ao atual Presidente, João Lourenço, o que acha que poderá acontecer?

RV: O engenheiro Manuel Vicente é uma daquelas pessoas cujo nome sai em vários assuntos apenas para poder ser sempre ignorado. Ele pode ter sido protegido neste caso da “Operação Fizz”, que ocorreu em Portugal, envolvendo a suposta corrupção de um procurador do Ministério Público português. Mas eu não acredito que possa ser protegido em relação a todos os assuntos em que aparece. Obviamente, pelo menos tem de ser investigado, podendo até ser inocente. Mas, de facto, o engenheiro Manuel Vicente é referido em quase todas as grandes fraudes que acontecem em Angola – desde o dinheiro da China a este caso do banco BESA.

DW África: Acha que os dois generais Leopoldino do Nascimento “Dino” e Hélder Vieira Dias “Kopelipa”, detentores das maiores fortunas do país, poderão escapar da onda anti-corrupção, que inclui exonerações e detenções em Angola?

RV: Em relação à onda de exonerações, já foram exonerados. De eventuais detenções, não sabemos, pois isso depende da instalação, ou não, de um processo crime pelo Ministério Público. Mas esse caso, como se sabe, também tem repercussões com Portugal: está ligado à falência do Banco Espírito Santo (BES). Portanto, era um caso em que a cooperação entre Portugal e Angola deveria começar a funcionar de modo sério. Os ministérios públicos angolano e o português deveriam, de uma vez por todas, investigar essa situação do banco BESA, que está ligada obviamente à situação do BES, em Portugal. Seria um exemplo magnífico para se perceber que a corrupção está a ser combatida ao mesmo tempo em Angola e Portugal.

DW África: E por que motivo acha que as investigações não terão sido reabertas pelos portugueses?

RV: As autoridades portuguesas têm sido muito tímidas em enfrentar os problemas de fraudes financeiras angolanas, exatamente porque o Estado português, para a sua sobrevivência, dependia do dinheiro que vinha de Angola. Ou seja, não iriam atacar aqueles que estavam a por dinheiro em Portugal, essa é a realidade. Agora, a situação terá mudado em Angola e talvez seja altura de Portugal “dar uma ajuda” neste combate à corrupção generalizado. A queda dos bancos irmãos, BES e BESA, afetou Portugal e Angola, assim como os contribuintes dos dois países. Portanto, justifica-se uma intervenção conjunta.

DW África: Segundo o Maka Angola, “com a ajuda e bênção do então Presidente José Eduardo dos Santos, Manuel Vicente, o general ‘Kopelipa’ e o general ‘Dino’ criaram uma complexa rede de empresas no espaço de poucos anos”. Acredita em investigações, e eventual punição, se comprovada a culpa, também do ex-Presidente José Eduardo dos Santos?

RV: Acho que, no final, como se dizia antigamente, todos os caminhos vão dar a Roma. Nesse caso de Angola, todos os caminhos vão dar a José Eduardo dos Santos. Todos os casos aconteceram de baixo da vigilância dele e, em algumas situações, com ordens diretas dele, como o caso de uma transferência de 500 milhões de dólares para Inglaterra, uma outra situação que também está a ser investigada agora. Mas no final da história estará sempre o ex-presidente José Eduardo dos Santos, que tem responsabilidades políticas e, em alguns casos, eventualmente criminais, porque deu ordens ou permitiu, por omissão, que os fatos acontecessem.

Fonte: DW | Tainã Mansani

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