GOVERNADOR ATACA LIBERDADE DE EXPRESSÃO NO HUAMBO

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Quem é Euclides de Castro, perguntarão os leitores ao depararem-se com este título. Possivelmente, esperavam ver os nomes de Adalberto da Costa Júnior (o tribuno da UNITA), que garante ter sido censurado na entrevista que deu ao Jornal de Angola, ou de Marcolino Moco (antigo secretário-geral do MPLA), cuja entrevista ao mesmo diário foi embargada há dias.

Fonte: Maka Angola

Mas Euclides de Castro interessa muito mais, porque é um cidadão comum, desconhecido, que resolveu exprimir numa carta aberta as suas opiniões sobre o governador do Huambo, João Baptista Kussumua. Euclides é efectivo da Polícia Nacional, prestando serviço no comando municipal do Huambo.

O seu patriotismo, e a abertura anunciada nos vários discursos de João Lourenço, levaram-no a escrever uma carta aberta dirigida ao governador, publicada nas redes sociais. Trata-se de uma missiva educada e respeitosa: não injuria o governador, nem o acusa de qualquer desonestidade; apenas deplora as escolhas de pessoas que tem efectuado para preencher os cargos da administração pública.

O essencial da mensagem ao governador Kussumua por parte de Castro está nesta passagem:

“É muito grande o apreço que os cidadãos desta cidade planáltica lhe têm, afecto este que se fundou na entrada triunfal com que se apresentou à nossa (que também é sua) província aquando da sua nomeação e discurso de tomada de posse, bem como pelos exemplos de transparência, humildade e compromisso com a lei que ostentou até à realização das últimas eleições. Antes que os elogios o seduzam e deixe de ouvir a voz do povo, e faça leitura errada daquela que tem sido a opinião da maior parte da camada mais jovem e comprometida com o saber do nosso tecido social, digne-se saber por esta via que o sentimento tem sido de grande desilusão, abandono e recuo democrático das conquistas aparentemente conseguidas com a sua vinda para cá.”

Portanto, na carta vemos elogio e crítica, ilusão e desilusão. É o normal numa sociedade democrática como se arvora Angola, cuja Constituição garante a liberdade de expressão.

Contudo, não foi esta a interpretação das autoridades. Recorrendo à mão pesada do costume, iniciaram um procedimento disciplinar contra Euclides de Castro, com o fundamento de este ter proferido injúrias e ofendido a integridade moral do governador nas redes sociais. Já lhe entregaram a nota de culpa, e a máquina trucidadora da administração autoritária começou a mexer-se para abater Euclides de Castro.

Recordemos as palavras de João Lourenço, ainda enquanto candidato:

“Melhorar a democracia é tão importante quanto a construção de pontes, de estradas, de edifícios, de barragens e outras construções”, acrescentando: “Nós defendemos e respeitamos os valores da democracia, bem como os direitos fundamentais do cidadão angolano… O que se diz nos cantos da cidade e nos jornais a respeito da nossa governação vem confirmar a liberdade de imprensa e de expressão”.

Pois bem, este pequeno exemplo do jovem Euclides de Castro proporciona a João Lourenço a oportunidade de garantir o respeito pelos direitos fundamentais dos cidadãos, ou, pelo contrário, como muitos suspeitam, demonstrar que afinal com ele nada muda, que a ditadura se mantém, e que apenas se modifica uma ou outra cara.

O pior que pode acontecer àquela parte da população que confiou num MPLA renovado, e num João Lourenço reformador, é ver que para além das palavras não há nada de substância.

E este caso é simples. Euclides de Castro não injuriou o governador. Percorrendo a sua carta aberta, não se descortinam expressões de ofensa à honra ou dignidade do governador, apenas descontentamento perante os critérios das nomeações que tem efectuado.

Há que estabelecer a fronteira entre a crítica política e democrática essencial numa sociedade livre e a mera ofensa, porque se tudo é tomado como ofensa, então deixa de haver espaço de liberdade.

Por consequência, aguarda-se que o bom senso comece a prevalecer.

Já chega dos disparates autoritários da anterior presidência.

*****

Aqui tem o texto na íntegra: “CARTA ABERTA À SUA EXCELÊNCIA SENHOR GOVERNADOR DA PROVÍNCIA DO HUAMBO.
Segunda

Excelência;
Queremos reiterar os votos de respeitosos cumprimentos, e aproveitamos o ensejo em apreço para lhe dizermos que mesmo sabendo que tem o poder para o fazer, e respeitando as suas opções na escolha das pessoas a quem tem vindo a nomear como titulares dos cargos de maior destaque a nível local, deploramos o facto, de viva voz, tudo por causa dos critérios de que se tem socorrido, e só o fazemos porque temos liberdade de exprimirmos as nossas ideias sobre a vida pública nos termos dos artigos 40° e seguintes da Constituição da República.
Excelência;
É muito grande o apreço que os cidadãos desta cidade planáltica lhe têm, afecto este que se fundou na entrada triunfal com que se apresentou à nossa (que também é sua) província aquando da sua nomeação e discurso de tomada de posse, bem como pelos exemplos de transparência, humildade e compromisso com a lei que ostentou até à realização das últimas eleições.
Antes que os elogios o seduzam e deixe de ouvir a vos do povo e faça leitura errada daquela que tem sido a opinião da maior parte da camada mais jovem e comprometida com o saber do nosso tecido social, digne-se saber por esta via que, o sentimento tem sido de grande desilusão, abandono e recuo democrático das conquistas aparentemente conseguidas com a sua vinda para cá.
Senhor Governador, recebe-mo-lo de braços abertos e com verdade lhe desejamos as boas vindas. É com a mesma verdade que lhe devemos dizer que não tendo nada contra as pessoas que escolheu para dirigirem a província, tudo temos contra a exclusão injustificada da classe intelectual local das principais instituições que “ditam a sorte” da província.
Sabemos que redunda de forma aberrante termos que utilizar a expressão nepotismo no presente ensaio, pois é notório que sua excelência domina melhor do que nós as figuras que caracterizam qualquer forma de governo.

Egrégio Governador;
Estamos cônscios de que não seja maduro criticarem-se opções pessoais, mas a nossa crítica às suas escolhas fundam-se no direito que aos cidadãos da província do Huambo assiste de participarem directa e activamente da vida pública local, não têm outro palco para realizarem os seus anseios. Ou seja, as suas escolhas pessoais geram consequências públicas. O Huambo é conhecido como o berço da ciência a nível nacional, isto é, é uma província com uma forte tradição académica, tanto assim o é, que é a única província no país que tem um Bairro Académico, por isso, seria de bom tom (mesmo não tendo esse dever), que pelo menos justificasse publicamente perante as pessoas que o apoiaram incondicionalmente as razões que lhe impeliram a ter que importar tantos cérebros em detrimento dos cérebros locais.
Enquanto cidadãos locais, é bastante Legítima e desprovida de qualquer preconceito a expectativa de vermos os filhos do Huambo a participarem a todos os níveis da vida pública da província. Essa expectativa é tão legítima que se encontra materializada nos termos do artigo 213.º da Constituição da República, ou seja, é tão normal que as pessoas locais participem da vida local que o legislador constituinte consagrou a figura das autarquias locais, figura que pode ser chamada a título de analogia para fundamentar o nosso ponto de vista. Do jeito que a nível nacional incomoda que que pessoas nacionais capazes sejam excluídas das principais áreas de influência do país, a nível provincial também o dói e isso não tem nada a ver com trabalismos, regionalismos ou outra qualquer forma de descriminação. A não ser que entendamos que este tenha sido o interesse do nosso legislador ao mais alto nível ao ter consagrado as autarquias locais como forma de exercício do poder!? Aliás, a ideia de autodeterminação nacional e local emana não só da nossa Constituição da República, como dos principais diplomas de caris internacional quais sejam: a Declaração Universal do Direitos Humanos, Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos, só para citar alguns.
Excelência;
Para não sermos tão prolixos e em jeito de síntese, queríamos dizer-lhe que em tempos em que se perspectiva a implementação das autarquias locais, era nossa legítima convicção que por via do exemplo, nos brindasse com essa nobre experiência, investindo na massa intelectual local e a capacitasse em caso de notar alguma insuficiência para o alcance dos seus desideratos.
NB:
Não estamos a reivindicar cargos de direcção e chefia para nós ou para interpostas pessoas certas e determinadas, apenas a lamentar o afastamento da massa intelectual local que é notoriamente substituída por pessoas com quem sua excelência mantém vínculos de uma proximidade que em muito transcende a profissional.
Sem outro de momento, digne-se tomar conhecimento do que nós que o elogiamos à chegada, pensamos do estado da sua administração.

Euclides de castro( Mais nova Epístola)”