FUNDO SOBERANO ENRIQUECE JEAN-CLAUDE BASTOS DE MORAIS

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O jornal suíço 24 Heures acaba de publicar uma ampla e devastadora reportagem, de Christian Bronnimann, sobre Jean-Claude Bastos de Morais, o suíço-angolano que é sócio de José Filomeno dos Santos (Zenú) e gere o dinheiro do Fundo Soberano de Angola. P

Fonte: Maka Angola

elo interesse público óbvio, e esperando que o presidente da República, João Lourenço, assuma as suas responsabilidades perante a gravidade dos factos relatados, traduzimos a referida reportagem, em versão ligeiramente abreviada:

Milhões do Povo Angolano Fazem a Fortuna de Empresário Suíço

“Jean-Claude Bastos de Morais, empresário de Friburgo, administra o Fundo Soberano de Angola. Um negócio opaco a partir do qual obtém dezenas de milhões de dólares.

As pessoas judicialmente condenadas por crimes económicos geralmente não gerem biliões de dólares de activos do Estado. Jean-Claude Bastos é uma excepção. A 13 de Julho de 2011, Jean-Claude foi condenado pelo Tribunal Penal de Zug, por múltiplas práticas desleais: em conjunto com um sócio, detinha uma empresa que fez pagamentos ilegais. Parte do dinheiro resultante desses pagamentos foi parar ao seu bolso.

Apesar desse julgamento, que já não é susceptível de recurso, o empresário da Suíça e de Angola foi então encarregado, através do seu grupo Quantum Global, com sede em Zug, da gestão do Fundo Soberano de Angola, que detém cinco biliões de dólares. Um mandato pelo qual ele recebeu em 2014 uma remuneração generosa de várias dezenas de milhões de dólares.

O chefe do Fundo Soberano é nada mais, nada menos do que José Filomeno Dos Santos (apelidado de Zenú), filho do ex-presidente de Angola, que deixou o poder em Agosto passado, após 38 anos de governo. Zenú é um amigo de longa data e parceiro comercial de Jean-Claude Bastos. Para especialistas, essa proximidade é problemática. Assim como é problemático o facto de o empresário suíço investir o dinheiro do Fundo nos seus próprios projectos e é problemático o valor das suas remunerações.

O Fundo Soberano foi criado em 2012. Em Angola, a pobreza é omnipresente. Uma em cada duas pessoas vive com menos de dois dólares por dia e quase uma em cada três crianças sofre de desnutrição. Ao mesmo tempo, a classe superior minoritária beneficia da riqueza do petróleo. O objectivo do fundo é investir parte do dinheiro do petróleo em projectos nacionais a favor da população. Hoje, vale cinco biliões de dólares.

Foto de Florindo Chivucute.

Os serviços de gestão do empresário suíço-angolano Jean-Claude custam caro ao Fundo Soberano de Angola. Três dos cinco biliões de capital são investidos em sete fundos de investimento nas Ilhas Maurícias, criados pela Quantum Global. Os fundos são administrados pela Quantum Global, com sede na República das Maurícias. Jean-Claude é remunerado pelos seus serviços a uma taxa de 2 a 2,5% do capital por ano. Isso representa um rendimento anual de 60 a 70 milhões de dólares desde 2015.

A essas taxas vertiginosas são adicionadas outras remunerações. De acordo com o relatório anual do Fundo, várias empresas levaram em 2014 quase 120 milhões de dólares por serviços de consultoria.

Quando questionado acerca da sua gestão do Fundo Soberano, Jean-Claude Bastos de Morais respondeu às nossas perguntas por escrito e durante uma entrevista de duas horas. O empresário argumenta que a remuneração recebida corresponde a “padrões da indústria”.

Andrew Bauer, um economista canadiano especializado em fundos soberanos, considera-os “extraordinariamente elevados”. De acordo com o especialista, a atribuição do mandato de gestão à Quantum Global mostra uma “considerável falta de diligência”. Normalmente, a gestão de Fundos é alocada através de um processo transparente e público, o que não aconteceu neste caso. “Os candidatos que têm cadastro económico no registo criminal geralmente não estão incluídos no processo de selecção”, acrescenta Bauer. Além disso, em regra, não se atribui mais do que 10% do capital de um fundo de riqueza soberana a um mesmo gestor. Neste caso, a Quantum Global foi inicialmente encarregada de gerir todo o Fundo e administra agora cerca de 85% dos biliões de dólares do Estado angolano.

A estas críticas, o Fundo Soberano de Angola responde que a Quantum Global foi seleccionada com base num processo de avaliação objectivo e após excelente desempenho anterior.

Jean-Claude Bastos e seu grupo Quantum Global trabalham em estreita colaboração com os escritórios de advocacia da Appleby nas Ilhas Maurícias e nas Ilhas Virgens Britânicas.

É por isso que os Paradise Papers contêm centenas de documentos sobre operações que envolvem o empresário e as suas empresas. Devido às suas conexões pessoais com o aparelho estatal angolano, Jean-Claude Bastos é classificado pela Appleby como um “cliente de alto risco”.

Os dados indicam que Jean-Claude Bastos é o único detentor da empresa Quantum Global nas Maurícias, que cobra as taxas de administração do Fundo Soberano de Angola. Também revelam que a remuneração é tão elevada, que permitiu ao empresário gerar 13 milhões de dólares em dividendos em 2014 e 28 milhões de dólares em 2015, os quais pagou a si mesmo. “Não posso negar o facto de viver bem”, admite Jean-Claude Bastos. Mas os dividendos não seriam meros ganhos, seriam necessários para manter sua rede de empresas, que emprega cerca de 600 pessoas em todo o mundo.

Os salários generosos pagos pela gestão do Fundo Soberano de Angola a Jean-Claude são apenas o início do caso. Vários investimentos do Fundo que lhe foram confiados servem os seus interesses pessoais.

O seu maior projecto é a construção de um porto de águas profundas na província angolana de Cabinda. Para este projecto – que é gerido por uma empresa de Jean-Claude Bastos, na qual a presidente da SBB [Swiss Federal Railways], Monika Ribar, estará envolvida –foram prometidos 180 milhões de dólares do Fundo.

Outro projecto: a construção de uma torre futurista no centro da capital angolana, Luanda. É um arranha-céus que actualmente existe apenas no papel. O lote de construção pertence a uma empresa privada detida por Jean-Claude. A 19 de Dezembro de 2014, um dos fundos de investimento das Maurícias que administram o dinheiro do Estado angolano assinaram um contrato com esta empresa. Esse fundo garante 157 milhões de dólares para a construção do arranha-céus. Uma segunda empresa de Jean-Claude Bastos administra a iniciativa e projecta a parte da torre destinada a escritórios.

O contrato também prevê que, no final do projecto, 100 dos 157 milhões de dólares investidos pelo Fundo vão directamente para este segundo negócio de Jean-Claude Bastos, sob a forma de recuperação de dívidas contraídas durante a construção do prédio. No final, apenas a parte da torre que hospeda o hotel será propriedade do Fundo Soberano.

Tom Keating dirige o Financial Crime Center do RUSI, o afamado think tank do Reino Unido. Keatinge analisou os documentos relativos a este contrato de 157 milhões de dólares. A sua conclusão: “Obviamente, Jean-Claude Bastos investe o dinheiro do Fundo num projecto de que ele beneficia pessoalmente. (…) A recuperação da dívida é um método de financiamento comum, mas também é uma maneira de beneficiar uma pessoa em segredo.”

Jean-Claude Bastos diz que a estrutura de financiamento do projecto, entretanto, foi modificada. E rejeita categoricamente a acusação de aproveitar o dinheiro do Fundo Soberano. “Não há, nem nunca houve um conflito de interesses”, diz ele. Eu sou um investidor de longo prazo e faço tudo o que posso para tornar os projectos bem-sucedidos. Os outros accionistas também têm os mesmos desejos de crescimento bem-sucedido que eu. “Além disso, a Quantum Global sempre praticaria acordos independentes, o que significa que os contratos são celebrados com base em condições de mercado que os parceiros independentes também aceitam.”

Jean-Claude Bastos de Morais e João Lourenço durante a campanha eleitoral em Cabinda. Ambos são sócios na exploração de ouro na Huíla.

Outro contrato, assinado a 19 de Dezembro de 2014, revela que o Fundo Soberano também prometeu 40 milhões de dólares para o projecto de construção de um segundo hotel liderado pelo empresário. O investimento foi decidido no dia anterior pelos membros de um comité de investimentos. Na acta da reunião registou-se que, durante estas decisões, Jean-Claude Bastos se absteve, por um conflito de interesses. Ambas as decisões foram tomadas pelos outros dois membros. Um deles é um executivo da Turtle Management AG, o escritório que gere os assuntos pessoais de Jean-Claude Bastos.

Isto significa que o indivíduo que administra as finanças privadas de Jean-Claude Bastos também decide os investimentos feitos pelos dispositivos mauricianos com o dinheiro do Fundo Soberano de Angola. “Os conflitos de interesses nessa configuração são óbvios”, diz o especialista Andrew Bauer.

Jean-Claude Bastos justifica esta configuração argumentando que o executivo da Turtle Management AG possui uma vasta experiência em África, razão pela qual está qualificado para rever e aconselhar os investimentos do Fundo Soberano de Angola. De um modo geral, o empresário sente que conseguiu muito para o Fundo. Argumenta que, apesar das condições de mercado desafiadoras, os activos líquidos aumentaram, o que, acredita, demonstra a eficácia da administração da Quantum Global.

Os números oficiais do Fundo Soberano levantam algumas questões. Recentemente, o Fundo ainda tinha um défice de cerca de 300 milhões de dólares. Esse défice só poderia ser compensado por uma reavaliação financeira de seus investimentos no relatório financeiro de 2016. Esse processo resultou em 290 milhões de dólares adicionais.

Carlos Rosado de Carvalho, jornalista angolano e professor de Economia, consultou o relatório da empresa de auditoria que analisou o Fundo. E conclui: “Esse resultado é baseado em valores fictícios e não reflecte a realidade.” Para ilustrar a situação, recorre à seguinte analogia. “Eu compro uma casa por cem mil dólares; no dia seguinte, digo que a casa vale duzentos mil dólares e escrevo isso na minha contabilidade. Isso não significa que o valor da minha casa tenha duplicado durante a noite. “Mas Jean-Claude Bastos afirma que os investimentos ainda são muito deficitariamente avaliados.”

Outros números oficiais: ao longo do ano de 2016, a Quantum Global aplicou apenas 26 milhões de dólares em novos investimentos. Quase 85% dos três biliões de capital do Estado angolano ainda estão na conta bancária, sem serem investidos. As grandes taxas de gestão, no entanto, continuaram a ser pagas. O empresário angolano-suíço afirma que a Quantum Global ainda possui muitos outros projectos de investimento e promete que os três biliões de dólares serão investidos até 2019, conforme planeado.

Os Paradise Papers destacam um elemento adicional. Jean-Claude Bastos fez declarações incompletas ou mesmo enganosas sobre sua condenação judicial na Suíça em 2011. Na sua candidatura a empresas abertas nas Maurícias, anexou uma carta de seu advogado Martin Neese, que também é membro de Conselho de Administração da Quantum Global na Suíça. Nesta carta, o advogado resume a decisão, mas apresenta os factos de uma forma que não corresponde ao julgamento.

Martin Neese escreve que não houve enriquecimento pessoal no caso que motivou a condenação, enquanto o juiz de Zug diz o contrário. O julgamento menciona que o empresário e seu parceiro “foram indirectamente enriquecidos” em conexão com um pagamento de 80 mil francos e evoca uma “mentalidade de autofavorecimento”. O advogado não menciona a sentença principal imposta a Jean-Claude Bastos: 350 dias de prisão – multa suspensa. Apenas refere uma multa de 4500 francos. Martin Neese não quis comentar sobre este elemento.

Além disso, o empresário disse à autoridade de controlo financeiro das Maurícias que actualmente não estava envolvido em nenhum processo pessoal. No entanto, uma denúncia civil relacionada com o caso no qual o empresário foi condenado ainda está pendente no cantão de Zug. Os accionistas da empresa de investimentos em que Jean-Claude trabalhava querem recuperar o dinheiro por meio deste procedimento. Jean-Claude Bastos afirma que informou as autoridades das Ilhas Maurícias da sua condenação e que não estabeleceu relação entre um processo pessoal e o caso de Zug. “Eu nunca prestei falsas declarações “, alega.

O Fundo Soberano de Angola ou é muito incompetente ou é cúmplice. O seu propósito só pode ser um: ocultar os beneficiários reais das transacções.

Bastos mostra-se feliz enquanto fala sobre os seus projectos, incluindo projectos filantrópicos, em redes sociais e em artigos de imprensa. Na semana passada, depois de lhe colocarmos as nossas perguntas, o semanário alemão HandelsZeitung publicou um artigo retratando Jean-Claude como uma personalidade simpática e empática. O artigo foi traduzido em francês pelo jornal Le Temps. “Eu trabalho com José Filomeno não por ele ser filho do presidente, mas por ser uma boa pessoa”, explica Jean-Claude Bastos. Num vídeo promocional, Jean-Claude Bastos discute os próximos desafios da África. O filme apresenta a “Fábrica de Sabão”, o novo projecto do empreendedor. No ano passado, foi num site de notícias africano que declarou: “A minha paixão é ajudar o povo angolano, garantindo um retorno sólido de investimentos e ajudando a desenvolver projectos económicos e sociais. O Fundo Soberano de Angola é uma óptima maneira de conseguir isso.”

E agora, João Lourenço, o que fazer do vigarista?