FUNDAMENTOS DO E SOBRE O DIREITO AO DESENVOLVIMENTO (II)

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Quanto a dimensão personalista, refere-se ao facto dos Estados serem responsáveis pela criação das condições materiais e imateriais para o desenvolvimento da pessoa, da pessoa toda e de todas as pessoas.

Texto de Domingos da Cruz | Fonte: Folha 8

De acordo com a Carta das Nações Unidas e a Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento, os Estados devem promover a cooperação internacional em vários campos. Esta cooperação também visa o desenvolvimento dos povos. Naqueles casos em que algum Estado tem dificuldades de concretizar os direitos para as suas crianças, à luz destes dois instrumentos de Direito Internacional, pode solicitar a cooperação, a solidariedade e auxílio internacional para retirar as crianças de uma situação abjecta como é o caso destas que vivem extraindo pedras.
Mas para o caso de Angola, sabe-se com clareza que não faltam recursos financeiros para que as crianças não sejam aviltadas na sua dignidade. Falta distribuição justa da riqueza e políticas públicas que tenham as crianças no centro do desenvolvimento. Como diria Mandela, tal como «a pobreza não é um acidente, assim como a escravidão e o apartheid, a pobreza foi criada pelo homem e pode ser removida pelas acções dos seres humanos».
Se com Mandela aprendemos que a pobreza é criação humana (parece que desta constatação os angolanos não duvidam), com o filósofo holandês, Rob Riemen, aprendemos que a solução para a pobreza não virá da classe hegemónica e dominante: «a classe dominante nunca será capaz de resolver a crise porque ela é a crise, [ora, causa e
criadora da pobreza]».
A dimensão personalista, em relação estreita com a dimensão internacional do direito ao desenvolvimento é expressa pelo antigo Secretário-geral da ONU, quando afirmou que «os direitos dos indivíduos e os direitos dos povos é uma dimensão da soberania universal, que reside em toda a humanidade e que permite aos povos um envolvimento legítimo em questões que afectam o mundo como um todo. É um movimento que, cada vez mais, encontra expressão na gradual expansão do Direito Internacional» (BOUTROS-GHALI, 1992/1993: 98-99).
Por seu turno, a pesquisadora Sikkink (1993:441), entende que «os direitos individuais básicos, não são do domínio exclusivo do Estado, mas constituem uma legítima preocupação da comunidade internacional».
Estes argumentos de razão, reafirmam e confirmam a necessidade de cooperação para a concretização do direito ao desenvolvimento. Um recuo brevíssimo no tempo, dá-nos a perceber que o direito ao desenvolvimento foi despoletado a partir do contexto dos países do Sul Global (hoje chamados países em via de desenvolvimento). No final da II Grande Guerra Mundial, este direito ganha espaço no debate intelectual internacional do eixo Sul. Nesta conjuntura, o direito ao desenvolvimento estava essencialmente atrelado a uma perspectiva económica.
Uma abordagem presa numa visão estatística do bem-estar e que na realidade não conseguia responder a realidade social e cultural bem mais múltipla e diversificada. Em síntese, esta abordagem sobre o desenvolvimento, confundia crescimento económico com desenvolvimento humano. Confundia acumulação de riqueza com bem-estar colectivo que se consubstancia em valores materiais e simbólicos. Por exemplo, apesar do livro não matar a fome de uma criança, tal como acontece com o cinema, a peça de teatro, o acesso à uma galeria de arte, mas são hoje indicadores de desenvolvimento e bem-estar, a cidadania cultural. Estes aspectos não eram percebidos na época, e persistiu até no início da década setenta. Na medida em que a noção de desenvolvimento evolui, este passa a ganhar contornos mais comprometidos com a realidade social, em linha com o que se propôs na primeira oportunidade em que o desenvolvimento foi citado como direito pelo então Presidente da Suprema Corte do Senegal e Ex-Presidente da Corte Internacional de Justiça, Keba M`Baye, em 1972.
A evocação do desenvolvimento como direito foi num curso ministrado por este em Estrasburgo, intitulado, Curso de Direitos Humanos. Tratou-se de uma intuição percursora e chave, na medida em que a partir daquele momento em diante, o Direito ao Desenvolvimento tornou-se pauta na agenda das Nações Unidas, do mundo e culminou com o nascimento da Declaração sobre este direito em 1986 (TEXEIRA, 2007:20).

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