Florindo Chivucute diz: “O dinheiro roubado deve ser devolvido para ajudar a pagar a dívida”

Compartilhe

O Director Executivo da Friends of Angola (FoA), Florindo Chivucute defende que, os fundos públicos supostamente desviados para fora e dentro do país, deve ser delvido com vista a judar ao pagamento da dívida, bem como na solução da crise económica que assola os angolanos.

Em entrevista concedida ao Jornal Valor Económico, Florindo Chivucute entende que a crise económico reinante no país, é causada por ganância, falta de contabilidade e transparência, facto que para Chivucute “está a custar muitas vidas em Angola”.

Siga a entrevista conduzida pelo jornalista Antunes Zongo:

Antunes Zngo – Senhor Florindo Chivucute, a Friends of Angola foi criada visando consciencializar a comunidade mundial sobre o que se passa em Angola, bem como apoiar a sociedade civil angolana. Ao fim de cinco anos desde a sua concepção, os objectivos têm sido conseguidos?

Florindo Chivucute – Sim. Em parceria com organizações locais, a Friends of Angola (FoA) já realizou cinco projectos em Angola. A FoA começou a funcionar em 2014 com os seguintes propósito essenciais:

  1. i) Elevar a consciência cívica da comunidade angolana dentro e fora do país; ii) Fortalecer a sociedade civil para os novos desafios dos Direitos Humanos e o processo democrático.

Nos últimos tempos, a FoA está engajada nos seguintes projectos:

  1. “Reforçar a democracia em Angola através do jornalismo comunitário.”
  2. “Fortalecer o engajamento cívico não-violento entre os jovens ”.
  3. Zuela (https://zuela.org ): uma ferramenta destinada a fortalecer a democracia e os

direitos humanos no mundo, envolvendo os cidadãos com o seu governo e a comunidade internacional.

  1. “Promover diálogo entre a sociedade civil e o parlamento sobre as Autarquias.” Este é o mais recente projecto da FoA em Angola. Em parceria com organizações locais, estamos neste momento levar a discussão sobre a realização das eleições autárquicas em diferentes regiões de Angola. Celebramos parceria com várias organizações e projectos nascentes da sociedade civil em diferentes regiões do país, tais como Balumuka (Malanje), AMC

(Kwanza Norte), OHI (Benguela), Placa (Luanda), Projecto Agir (Luanda), ACZ (Zaire) e Moxico (Laulenu).

  1. FoA tem também uma rádio online (Rádio Angola). A mesma actualmente emite via internet. A sua linha editorial está igualmente centrada nos Direitos Humanos.

AZ- Dentre muitos, um dos objectivos da organização é o de apoiar a juventude, mulheres e antigos combatentes, com formação e recursos. Quantas pessoas beneficiaram dos serviços da FoA nos últimos dois anos?

FC – A FoA treinou mais de 100 jovens em Jornalismo Comunitário em vários pontos de Angola. Por ser um conceito novo, tivemos muitas dificuldades em implementar esta

iniciativa cívica e me recordo que o Professor e escritor Domingos da Cruz foi detido dias antes de começar o treino que seria dirigido por ele. Refiro-me ao processo conhecido como os 15+2. Por esta razão, o ex-coordenador da OMUNGA, José Patrocínio foi o coordenador do treinamento.

Até última actividade desde período (Outubro 2018 – Maio de 2019, juntamos em espaço de mais de 1500 pessoas em 8 províncias nos debates e discussões sobre as autarquias.

O nosso objectivo principal é criar e ajudar uma sociedade tolerante e democrática onde cada angolano, independemente da sua cor partidária, crença religiosa e/ ou classe económica possa ter um vida com dignidade.

AZ – Aproximadamente, quanto a ONG investiu nos últimos anos não só para os ciclos formativos, mas no apoio com recursos a juventude e antigos combatentes?

FC – Em termos monetário, penso que já investimos mais de $200 mil dólares na capacitação de jovens em Angola. Nunca tivemos a oportunidade de trabalhar com antigos combatentes, mas tivemos vários participantes durante as nossas actividades, incluíndo antigos combatentes, políticos, músicos e académicos.

AZ – A FoA é uma organização sem fins lucrativos, que instituições o apoiam para poder prestar esses serviços às comunidades?

FC- A FoA conta com apoio de pessoas individuas, organizações como a National Endowment for Democracy (NED) e o governo Canadiano. Nós aceitamos a ajuda de todos que acreditam na nossa missão: fortalecer a sociedade civil para os novos desafios dos Direitos Humanos e o processo democrático.

AZ – Há novos projectos a serem implementados no país?

FC – Sim. Estamos a implementar um projecto que visa “Promover diálogo entre a sociedade civil e o parlamento sobre as Autarquias.” Em parceria com organizações locais. Estamos neste momento a levar a discussão sobre a realização das eleições autárquicas em diferentes regiões de Angola.

AZ – Em Angola é comum pensar-se que quando uma ONG ou associação é apoiada por instituições estrangeiras, é porque está a ser instrumentalizada para atacar o Governo. No vosso caso, qual é o compromisso com essas entidades?

FC – Penso que é um falso problema. Penso que também não seria correcto dizer que o facto de governo angolano estar ser apoiado por instituições estrangeiras como o Fundo Monetário, Banco Mundial, Nações Unidas é sinal que este governo “está a ser instrumentalizado.” A parceria entre organizações e governos é um fenómeno normal em democracias. O governo não pode resolver os problemas sociais e económicos sozinho. Organizações não-governamentais devem ser encaradas como parceiros na construção e manutenção de uma sociedade saudável. Por exemplo, a FoA enviou uma carta a semana passada a PGR de Angola oferecendo o Zuela.org para apoiar a luta contra a corrupção em Angola. Acompanhamos com atenção e interesse a difusão de SMS enviadas pela PGR pedindo aos cidadãos a denúncia de actos de corrupção de que tenham conhecimento. Porém, não se indica na SMS nenhuma forma segura de os cidadãos denunciarem. Neste quadro, e fazendo fé na mensagem da PGR, FoA propõe o seguinte:

  1. i) Uma parceria com a PGR para o combate à corrupção, no quadro das normas internas, dos instrumentos universais, regionais e sub-regionais sobre o tópico aduzido.
  2. ii) Já temos criado um aplicativo que permite a prevenção, monitoria e denúncia de actos de corrupção sem pôr em causa a segurança e identidade dos participantes.

iii) A par da valência acima expressa, o aplicativo tem capacidade para a monitoria dos direitos humanos nas mais variadas dimensões. Como exemplo, destacamos a categoria sobre os direitos das mulheres, a violência e segurança pública, o desempenho da imprensa, etc.

O aplicativo referido chama-se Zuela (https://zuela.org): uma ferramenta destinada a fortalecer a democracia e os direitos humanos no mundo, envolvendo os cidadãos com o seu governo e a comunidade internacional.

AZ – Mas há quem diga que a FoA foi criada por intelectuais da FLEC/FAC, com objectivo de vilipendiar a imagem do Governo. Queira comentar, por favor?

FC – Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão, mas não tem direito a seus próprios factos.

AZ – A FoA tem sede nos EUA. Qual é a percepção dos norte-americanos em relação a Angola?

FC – A FoA nunca fez uma sondagem para perceber a opinião do povo americano sobre Angola. Mas, pela minha experiência, penso que Angola não é um país bastante conhecido nos EUA. Em parte, penso que deve-se a um número reduzido de angolanos a viverem nos EUA.

AZ – E o que a FoA tem feito para desconstruir possíveis conceitos alheios à realidade angolana?

FC – Na verdade, penso que não entendi a pergunta. A FoA começou a funcionar em 2014 com os seguintes propósito essenciais:

  1. i) Elevar a consciência cívica da comunidade angolana dentro e fora do país;
  2. ii) Fortalecer a sociedade civil para os novos desafios dos Direitos Humanos e o processo democrático.

AZ – A transparência e luta à corrupção são um dos principais focos de acção da vossa instituição. E em Outubro de 2017, motivado pelo discurso de tomada de

posse de João Lourenço, em que reiterou a vontade em combater a corrupção, a FoA endereçou-lhe uma proposta de parceria entre as instituições para frear o mal. Vos foi respondida?

FC – Infelizmente nunca recebemos uma resposta. Enviamos também duas cartas ao Tribunal Supremo sobre o caso Kalupeteka e a Assembleia Nacional. Nunca recebemos uma resposta. Ao contrário do governo Americano e Português que sempre respondem aos nossos pedidos, o governo angolano não tem respondido as nossas cartas.

AZ – Há já algum tempo, que a FoA criou a Zuela, uma plataforma para monitoramento da situação dos direitos humanos, política, corrupção e violência a nível mundial. Neste momento, qual é o nível de participação das pessoas?

FC – Por razões técnicas, tivemos que redesenhar o Zuela e por esta razão paramos de publicitar durante muito tempo. Iremos começar de novo dentro de alguns dias e pensamos que o Zuela pode jogar papel fundamental na luta contra a corrupção, por ser uma ferramenta que permite pessoas individuais fazerem denuncias de uma forma anónima e permitirá o governo angolano ter acesso apenas as denuncias e não quem fez.

AZ – Mas como funciona de facto a plataforma?

Os usuários tem que se registar-se com email Os usuários têm a opção de publicar atualizações usando as seguintes ferramentas:

 Gravação de vídeo.

 Imagem.

 Mensagem de voz.

 Para fazer o upload, os usuários terão que fornecer um título, uma breve descrição, região, área ou bairro de desenvolvimento e marcar sua postagem com um número de subcategorias.

 As subcategorias são: activismo, raça e racismo, corrupção, anticorrupção, artes, negócios, sociedade civil, guerra civil, resolução de conflitos, cultura, desenvolvimento, ética, energia e muitos mais. Essas subcategorias facilitarão a busca de itens específicos pelos usuários

AZ – Quais são as maiores queixas registadas na plataforma e quais os países com maior índices de denúncias?

FC – Não temos muitas. Por razões técnicas, tivemos que parar com a publicidade e apenas este mês e que vamos recomeçar a publicitar. Isto tem sido um processo interessante para a FoA. Aprendemos que não basta desenhar e implementar uma ferramenta, é importante também ter fundos para publicitar a ferramenta.

AZ – O que faz a FoA após a recepção das queixas?

FC – A nossa política é simples. Os dados serão usados para ajudar a FoA e outras organizações, incluindo governos a entenderem a natureza e dimensão dos problemas que qualquer comunidade esteja a viver na esperança de resolver de uma forma construtiva.

AZ – Que leitura se oferece a fazer da actual conjuntura económica e social de

Angola?

FC – Penso que há uma crise económica causada por ganância e falta de contabilidade. Falta de transparência, e está a custar muitas vidas em Angola. Os níveis de desemprego são muito altos, muitas crianças continuam fora do ensino, muitos angolanos continuam sem acesso a água potável e sem acesso aos serviços de saúde. Há muito trabalho para se fazer e penso que podemos ultrapassar estes problemas desde que haja honestidade e transparência. Angola não pode continuar a depender do petróleo e temos que investir mais no sector social.

AZ – Como olha para o processo de combate à corrupção?

FC – Penso que só o tempo dirá. Na minha opinião, Angola precisa de reforma económica, judicial e política o mais rápido possível. Está provado que o Sistema que temos vindo a tentar não funciona e não podemos continuar a insistir nos mesmos erros.

AZ – O Executivo dá mostras de estar a falar sério, dada as prisões realizadas e a abertura de diferentes processos judiciais a propósito. O que lhe parece?

FC – O tempo nos dará a melhor resposta.

AZ – Na perspectiva da FoA, como devia ser seguido esse processo?

FC – Tal como fiz referência acima, na minha opinião, Angola precisa de reforma económica, judicial e política o mais rápido possível. Está provado que o Sistema que temos vindo a tentar não funciona e não podemos continuar insistir nos mesmos erros.

AZ – Há quem defenda o fim desses processos, que já somaram várias prisões e congelamento de inúmeras contas bancárias, face ao risco de aumento ao desemprego. Acha viável a opção?

FC – Estamos perante uma situação muito séria. Penso que é importante haver um processo transparente e que todos possam ter a oportunidade perante a justiça para que o mesmo não volte acontecer.

AZ – O Governo diz ter herdado um Estado com cofres vazios. No entanto, celebrou acordos com o FMI, além de gradualmente receber outros montantes ao Banco Mundial, a China e outros países da Europa. Que avaliação se oferece a fazer face às dívidas que se vão acumulando?

FC – Penso que já é sabido que a dívida nacional e internacional de Angola é  xtremamente alta e uma grande parte desta dívida foi feita sem transparência e beneficiou uma meia dúzia de pessoas ligadas ao poder em Angola. O dinheiro roubado tem que ser devolvido para ajudar a pagar a dívida e investir no sector social.

AZ – Corrobora com os analistas que criticam o acordo com o FMI, dada as exigências que poderão reduzir não só o poder de compra das populações, mas também fomentar o aumento dos preços dos bens e serviços?

FC – É importante ouvir todas a vozes, incluindo aqueles que têm uma opinião menos favorável e de desacordo. Penso que o tempo nos dirá quem tem razão. A FoA está a tentar marcar um encontro com membros do FMI para perceber melhor o que elesesperam deste apoio.

AZ – O acordo com o FMI foi inoportuno?

FC – Eu penso que o novo governo não tem muitas opções. O povo angolano poderá ganhar algo deste acordo se o governo angolano souber aproveitar esta oportunidade para capitalizar na experiência do FMI e negociar levando em conta o bem comum e não apenas de uma meia dúzia de pessoas.

AZ – Recentemente, a FoA chamou atenção ao modo como o Banco Mundial tem emprestado dinheiro ao Governo. O que de facto esteve na base da crítica?

FC – Falta de informação sobre como, quando e quem poderá beneficiar deste acordo. A informação mais relevante que encontramos na página do Banco Mundial esta em Inglês. Quantas pessoas podem ler, escrever e falar Inglês em Angola?

AZ – Que resposta teve por parte do Banco em Angola?

FC – Continuamos a espera da resposta do Banco Mundial. Penso que é dever de todos os angolanos questionarem estes empréstimos. Afinal de contas são os angolanos que terão que pagar este dinheiro de volta e com juros.

AZ – Qual é a apreciação da FoA em relação a Operação Resgate? Ela foi criada para resgatar a autoridade do Estado e moralizar a sociedade, acha que poderá alcançar esse objectivo?

FC – Em teoria, a iniciativa é boa. Penso que temos que ser honestos, o governo angolano não é um bom exemplo em termos de moralização. Penso que é o importante ouvir o povo quando se trata de reformas sociais para minimizar erros. As vezes, as boas intenções tem consequências negativas na sociedade, em particular quando não ouvimos quem será afectado(a) com as políticas a serem implantadas.

 

Leave a Reply