DESPARTIDARIZAÇÃO DO ESTADO ANGOLANO

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Despartidarização é o processo de livrar o Estado do Partido Político. Angola emergiu como Estado num contexto de disputa geopolítica entre dois blocos antagónicos. Por um lado, o Ocidente liderado pelos EUA e por outro o leste liderado pela URSS.

Hitler Samussuku | Activista

O MPLA, com o apoio do segundo bloco, conseguiu proclamar a independência de Angola numa lógica de soma zero que consistia numa urdidura partidocrática baseada na posse absoluta do Estado em todos os níveis da sua estrutura político-administrativa e na concentração total dos três poderes tradicionais (Executivo, Legislativo e Judicial), cujo Charles Louis de Secondat, Barão de La Brède e de Montesquieu, advertiu na sua obra famosa “L´esprit des lois” que era preciso haver separação dos poderes porque numa democracia constitucional o poder é dividido de modo que o Legislativo faz as leis, o Executivo obriga ao seu cumprimento e as executa e o Judiciário funciona de forma independente.

A pretensão totalitarista em 1975 fez com que a FNLA e a UNITA fossem diluídos do Estado numa violação clara dos Acordos de Alvor que deu lugar ao mono partidarismo de cariz marxista-leninista, tal como foi assumido em Dezembro de 1977 no primeiro congresso do MPLA.

Inversamente à ideia de Georges Burdeau que “o poder de dominação é inerente ao Estado e reside juridicamente, não nos indivíduos, no príncipe, na classe ou grupo de cidadãos que detêm, de facto, a força política preponderante, mas no próprio Estado”, a prática angolana mostra que o poder de dominação reside no MPLA.

Esquecendo-se que os governantes são apenas agentes do povo soberano, o MPLA proclamava nos documentos da independência “a força da vontade popular, a longa luta armada e a defesa intransigente dos interesses das camadas mais exploradas consagraram o MPLA como único representante do povo angolano” os órgãos do Estado, na República Popular de Angola, tanto como na República de Angola são orientados pelas directivas superiores do MPLA, encontrando-se assegurado o primado das estruturas do Movimento sobre o Estado.

Sendo o único com direito a existir, o partido único hasteia a sua doutrina em dogma. Neste caso, a soberania não é exercida no interesse da Nação, mas sim do Partido-Estado. Numa situação bastante conturbada, Agostinho Neto determinava “discutir fora das estruturas do MPLA é criar factores de divisão”. Em harmonia com isso diziam: “O MPLA é o Povo e o Povo é o MPLA”, uma declaração clara de totalitarismo que excluía todos os angolanos que não pertenciam nem se reviam no Partido-Estado. Foi por esta mesma razão que a UNITA ressurgiu militarmente nos confins do sudeste angolano pondo em causa a legitimidade do MPLA que se arrogava ser o único representante do Povo quando em Alvor eram três reconhecidos.

A luta levada a cabo por Jonas Savimbi até pelo menos depois de muitas tentativas de acordos (Gbadolite, New York e por último Bicesse), o MPLA perdido geopolíticamente devido à queda da URSS decidiu a imposição da democracia, ou melhor, do multipartidarismo, porque continuamos num processo de democratização e nos falta vários requisitos de acordo com aqueles apresentados por Robert Dahl, Juan Linz, Schumpeter, Ranney e Kendall.

Em 1991 foi possível registar o surgimento de novos actores políticos, contrariamente aos anos 80 onde apenas o MPLA e a UNITA disputavam a legitimidade política. Foi neste contexto que surgiram as forças armadas angolanas, uma mistura de FAPLA (braço armado do MPLA) e FALA (braço armado da UNITA).

É preciso, pois, não confundir o ministério do ministro, o presidente da presidência, o administrador municipal da administração

Os resultados obtidos pelos dois principais actores político angolanos, sobretudo naquela conjuntura, deu abertura para mais uma onda de confrontação política que cessou instantaneamente no ano de 1994, com os Acordos de Lusaka. Neste acordo ficou combinado que alguns quadros da UNITA poderiam ser inseridos na função pública, o que nunca chegou a ser materializado até hoje, por essa razão, este partido continua a pressionar as autoridades a fim de cumprirem com os compromissos acordados.

Os anos passaram e novos actores políticos surgiram. A emergência de uma sociedade civil angolana obrigou um processo de despartidarização do Estado angolano. A despartidarização deve ser percebida tal como já definimos no inicio do nosso humilde texto como sendo o processo de livrar o Estado do partido político e por partido aqui se entende todos, ou seja, precisamos agora perceber que o jogo político não pode continuar a ser MPLA versus UNITA, até porque o tempo ocasionou novos actores que captam afinidades e de uma certa legitimidade por parte da população. Assim sendo, quando um partido vence as eleições, este mesmo partido tem o poder de nomear os ministros, secretários do Estado, governadores, administradores e não funcionários públicos, directores das escolas nem muito menos os funcionários dos ministérios. É preciso, pois, não confundir o ministério do ministro, o presidente da presidência, o administrador municipal da administração porque até aqui continuamos numa situação deprimente onde confundimos tudo.

A partidarização do Estado angolano tem sido um grande inibidor para o avanço da Cidadania. Vale lembrar aqui que durante a primeira República as únicas associações legais eram aquelas filiadas ao Partido-Estado, por exemplo: Organização da Mulher Angolana, Juventude do MPLA, Organização do Pioneiro Angolano, UNTA, etc. As agremiações desportivas também tinham um pendor político, como é o caso do Clube Desportivo 1º de Agosto que tem as mesmas cores que o braço juvenil do MPLA, ou então o Progresso do Sambizanga que era praticamente o núcleo juvenil do Partido naquele município. Ainda hoje estas afinidades continuam a ser sentidas na fase de selecção dos jogadores para o Nacional.

Em suma, precisamos uma nova forma de conceber o Estado, levar mais a serio o Estado porque os governos passam, mas as instituições ficam e por instituição aqui defendemos, de acordo com Huntington, “as instituições são a manifestação ao nível de comportamento do consenso moral e de interesse mútuo”, como também podem ser, de acordo com o mesmo autor, “padrões de comportamento recorrentes, valorizados e estáveis”. Só assim poderemos desenvolver a Nação Angola. Pelo contrário continuaríamos a incubar os nossos problemas tal como aconteceram ao longo dos 42 anos desde que os portugueses nos deixaram com as rédeas.

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