Cidadão lamenta por quase meio século de sofrimento

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Huíla: Os habitantes na província da Huíla enfrentam vários problemas, dentre os quais se destaca o elevado índice de desemprego. António Capelua, desempregado residente no município do Lubango, ao microfone da Rádio Angola lamenta a forma como o país está a ser gerido.

Por Mensageiro Andrade

“O número de empregos está para o pior. Há muitos jovens formados que até agradecem às ruas para procurar um pão”, disse. Capelua não se refere apenas à falta de emprego na Huíla, mas em todo o país, afirmando que “os trabalhos são para os estrangeiros”.

Como consequência do aumento do desemprego, o nível de delinquência no Lubango também tem aumentado consideravelmente. A polícia não tem conseguido manter a segurança na província.

“A delinquência aumenta porque não há emprego. A polícia não consegue fazer nada. Há mais corrupção do que nada. O país está mal”, afirmou.

Questionado se concorda com afirmações de membros da elite angolana segundo o qual muitos jovens não querem trabalhar e preferem dedicar-se ao consumo de alcoolismo, António disse: “Mentira. Nós jovens estamos capacitados para ajudar o nosso país, mas oportunidades não temos e vontade não nos falta. Isto é aldrabice”.

Para exemplificar a falta de empenho na formação e emprego dos jovens angolanos por parte do governo, Capelua apontou a promoção permanente de bebidas alcoólicas feitas em órgãos de comunicação social estatais, logo, pelo governo.

“Quem faz a promoção da cerveja é o governo, e temos muitos jovens formados, estão na rua porque o trabalho do jovem formado, que é o angolano, dão ao estrangeiro. O angolano não tem lugar. Fica na praça com a formação dele e fica frustrado”, disse.

As passeatas de publicidade de bebidas alcoólicas feitas através de camiões pelas ruas “é a promoção que temos num país rico como Angola”, mas “nunca vi um camião a passar com livros ou cadernos mas simplesmente passa com cucas e nocais. Isso é vergonhoso”.

“Já viu uma fábrica da Cuca criar avaria? Nunca. Mas há falta de caderno, falta de lápis, falta de livros, mas a promoção da Cuca, o fino, a Ngola, estamos sempre com ela. Nunca vimos uma fábrica de bebida avariar. Mas já houve falta de óleo. Hoje consigo comprar um litro de óleo há mil kwanzas, uma coisa que estava 100 Kzs”, frisou.

Recentemente o Executivo aumentou o bilhete dos autocarros, de 30 para 50 Kzs, isto depois de terminar a subvenção aos combustíveis e aumentar os preços dos mesmos. Capelua exemplificou: “O autocarro da Macon subiu para 50, (o salário da) função pública não mexe, continua 22 mil. Ganho 22 mil Kzs, passo a pagar diariamente 100 kzs, os meus 22 mil vai para onde? Como consigo sustentar a minha boa família? Depois dizem que Angola é rica. Prefiro viver na Somália”.

Em alguns casos, quando aparece uma vaga de emprego, também surge a oportunidade dos responsáveis pela admissão exigirem contrapartidas financeiras ilegais, corrupção para adquirir emprego. António Capelua contou que, às vezes, responsáveis pela admissão chegam a pedir até 300 mil Kzs pela vaga existente.

“Venho pedir emprego, você que quer me empregar estás a me pedir 300 mil Kzs para garantia do meu emprego. Vou tirar onde? Se estou a vir a zero quilómetros, estou a te pedir emprego”, lamentou.

Os processos de admissão de funcionários no Estado, mediante concurso público, não são credíveis. Para Capelua “a função pública não funciona”. É comum concorrentes às vagas da função pública dizerem que os concursos são de fachadas. E Capelua também disse o mesmo: Não há concurso público. Não existe. Concurso público é para os filhos dos chefes, chamamos filhos dos chefes do país que estão a dirigir isso mal”.

O entrevistado da RA afirma que já trabalhou 29 anos ao serviço de Angola. Lamenta nunca ter saído do país. “Vou morrer mesmo só assim, no meu país? Não pode”.

Os chineses, que todos os anos chegam no país em grande número, têm transformado angolanos em seus trabalhadores. “O chinês vem aqui e ainda torna-me trabalhador dele, na minha casa. Não pode. O amigo não pode fazer aquilo que eu posso fazer por mim mesmo e para a minha família. Onde me vou dirigir, fico na rua, tenho que desenrascar um bocado dentro da minha casa porque sou angolano, dentro da minha casa tenho que procurar, lutar muito mas não pode, o país é rico e a pátria é nossa, e como a pátria é nossa, eu como angolano tenho direito dentro desse país. Há muita frustração por ali. Os governantes erram sempre. Porquê? Angola é um país grande mas está a ser mal gerido. O chinês não pode vir aqui me ameaçar”.

A forma como chineses tratam os angolanos, em Angola, é classificada como escravatura por Capelua. “Nós somos escravos dos chineses dentro do nosso próprio bom país. O chinês vem da Ásia para aqui, atravessou um continente mas chega aqui é chefe, tem mais regalias do que eu, angolano. O chinês chega aqui atropela e não vai para a cadeia. Eu, como angolano, se te roubar um telefone já estou na cadeia. E o estrangeiro tem esse todo direito porquê?”

Olhando para as riquezas marítimas do país, António não compreende como é possível angolanos comerem peixe lambula, quando aparece, enquanto estrangeiros comem o carapau. “Estou dentro do meu país não consigo comer um carapau, que tem de comer o carapau é o chinês, eu, angolano, tenho de comer lambula. Não pode. O mar é nosso”.

A partidarização no tratamento institucional dado aos angolanos também é notada por Capelua. “Só come quem é do partido, quem não é do partido não come. Vou como um cidadão normal, não meto o partido a frente, mas não sou respondido, dizem ´quem é você, vem amanhã´, amanhã mais amanhã. Você dá documentos nunca respondem o teu documento”.

Os dirigentes angolanos estão cansados. É assim que António resume a ineficácia das políticas do Executivo. “Estão cansados, merecem a reforma”. Porém, Capelua tem constatado que os mesmos dirigentes lhes “tiram dali desse sector e vai para aquele sector”.

“Isso é uma brincadeira. Estão a nos mostrar mesmo a aldrabice. Mas é que nós já não estamos mais contente, vamos lá ver como é que as coisas vão dar. Se não dar certo, não sei como é que nós vamos fazer”, disse com vista às eleições que devem se realizar neste ano, acrescentando: “Estamos há quase meio século a sofrer, não pode, com esse ditado que há crise, não sei a crise veio como, não sabemos. Porque anteriormente as coisas estavam a subir, um saco de arroz já chegou ao ponto de 10 mil Kzs, hoje está 4 mil. Agora não sei se é a véspera das eleições que faz as coisas baixar para 3 mil. E depois dizem que o país tem crise. Como é que automaticamente as coisas já baixam assim, até 4 mil?”.

A falta de medicamentos e materiais hospitalares na unidade de saúde estatais “nem se fala” porque “para mim é óbito”. Os materiais e medicamentos são desviados para hospitais privados.

“Vai num hospital do Estado hoje, chega lá, nem direito uma pica tem. Luva quem compra é o paciente. Se calhar lá só tem a esferográfica que se encontra com a doutora, porque não tem nada. Todos os hospitais são roubados. Onde está a fiscalização, a polícia económica, a segurança do Estado dentro de um país? O país está a ser mal dirigido”, garantiu.

Acompanhe aqui a entrevista que o activista cívico e Jornalista Comunitário, António Capelua concedeu à Rádio Angola. 

Perguntas e sugestões podem ser enviadas para [email protected]. A Rádio Angola – uma rádio sem fronteiras – é um dos projectos da Friends of Angola, onde as suas opiniões e sugestões são validas e respeitadas.

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