CAXEMIRA: A FORÇA NÃO DEVE SER A ÚNICA ARMA CONTRA O TERRORISMO

Compartilhe
Edson Kassanga

As já delicadas relações entre a Índia e o Paquistão, decorrente do duelo pela Caxemira, têm mais um motivo para agravarem-se. Porém, tal motivo pode ser reflexo de que o modo como a Índia tem levado a cabo a luta contra o terrorismo não é o mais acertado.

Por conta da morte de, pelo menos, 44 para-militares pertencentes às Forças de Defesa e Segurança da Índia, num atentado suicida ocorrido no dia 14 de Fevereiro na tão disputada região da Caxemira, a tensão entre a Índia e o Paquistão agudizou-se. O governo indiano acusa o governo paquistanês de estar por detrás do atentado e promete dar resposta, enquanto deste nega qualquer  ligação com o acto e promete retaliar, caso seu território for alvo de algum ataque.
É de salientar que o território da Caxemira esteve, anteriormente, sob domínio do Marajá Hari Singh. Porém, depois da Segunda Guerra Mundial, esse território foi dividido em três partes, sendo uma à India, outra ao Paquistão e a restante à China.
Há muito que as relações entre a Índia e o Paquistão (cuja  população é maioritariamente  hindu e muçulmana, respectivamente) têm sido conflituosas fruto das disputas pelo controle da Caxemira indiana, uma região, maioritariamente, habitada por muçulmanos e de elevado valor geo-estratégico por ser, predominantemente, constituída por montanhas à cima dos 1500 m de altura, por ser a zona onde alguns dos principais rios da Ásia têm as suas nascentes, além de ser zona fronteiriça entre os países já citados e estes com a China,  considerada a segunda maior economia do mundo, bem como o país mais populoso a nível mundial.
Ainda no quesito população mundial, depois da China está a terra de Mahatma Ghandi, cuja peculiaridade reside no rápido crescimento económico e nas graves assimetrias entre ricos e pobres. Apesar de a Índia ser tida como a décima maior economia do mundo e a segunda que mais cresce a nível mundial, regista uma  desigualdade social gritante resultante da excessiva estratificação da população, por sua vez, baseada em preceitos religiosos, proibindo o casamento entre pessoas de diferentes estratos sociais, entre outras proibições. Essa estratificação é reflectida no poder de compra das pessoas pertencentes à mesma classe social. Por exemplo, para os Sudras (classe dos descendentes de escravos,  para a qual também são agregados os párias) são reservados os piores trabalhos e, obviamente, os salários mais baixos. Como agravante, a maior parte da população que pertence à esta classe social (cerca de  70%) trabalham, sobretudo, na agricultura e são analfabetos.
Tal como a Índia; o Paquistão alcançou a independência da Inglaterra em 1947; maior parte da sua população é camponesa; regista um significativo crescimento económico e tem o sector dos serviços e a agricultura como maiores contribuintes do seu PIB. Ademais, os dois  países possuem armas nucleares desde 1998.
O governo  indiano acusa o paquistanês de dar apoio financeiro, politico e militar aos grupos terroristas que operam na Caxemira indiana com objectivo de anexar esta parcela de terra ao seu território. Já o Paquistão afirma que os rebeldes são nativos da Caxemira indiana e que são forçados à rebelião por causa das abismais desigualdades sociais; pelo uso excessivo da força a qual os cidadãos são submetidos pela forças de defesa e segurança e por causa da corrupção.
As relações entre a Índia e o Paquistão são marcadas pela conflitualidade cuja intensidade ao longo do tempo é discutível. Apesar dos milhares de mortos provocados, sobretudo nas duas guerras (1947-1948 e em 1971) e dos esforços da sociedade internacional expressos nos Acordos de Smila (1972) no qual, entre outros compromissos, os governo indiano e paquistanês acordaram abster-se de ameaças ou o uso força contra a integridade territorial ou política de ambos, a verdade é que as relações nunca deixaram de ser intensamente conflituosas. No entanto, alguns especialistas, afirmam que o grau de conflitualidade baixou a partir de 1989, ano em que terminou uma revolta armada generalizada na Caxemira com um saldo muito alto de mortes. Por isso, considerar-se o atentado ocorrido em Fevereiro de 2019 como o mais mortífero desde 1989.
Embora seja inegável a pretensão do Paquistão em ter o território da Caxemira indiana sob seu domínio, a julgar pelo facto de 03 dos seus 04 rios nascerem nessa região, as características dos seus habitantes, bem como, e sobretudo, pelo facto de o parlamento indiano ter sido atacado em 2001 por um grupo terrorista radicado no Paquistão (segundo o governo indiano), as razões que mais contribuíram para o mais recente atentado foram de origem interna, ou melhor, foram criadas pelo actual governo indiano.
Esta afirmação justifica-se  pela intensidade com a qual tem-se combatido o terrorismo nos últimos anos. Segundo dados do Ministério do  Interior da Índia,  “em 2018, 253 membros de grupos terroristas foram mortos pelas forças de segurança”, mais que o dobro do número de mortos em 2015, devido à acções excessivamente fortes no combate contra o terrorismo levadas a cabo pelo actual primeiro-ministro indiano,  Narenda Modi.
Efectivamente, quando inúmeros terroristas, ligados à maior parte da população-pela raça, região ou o que for- são mortos a seu aberto, multiplica o sentimento de revolta no seio dessa população. Tal não implica dizer que o terrorismo não deve ser combatido. Deve sim, mas não exclusivamente pela força. Esta dever ser combinada com alguma sagacidade, de modos a que, outras pessoas não sejam galvanizadas em abraçar os ideias defendidos pelos terroristas. Isso passa por evitar execuções em hasta pública, realização de julgamento (nem que forem simulados) antes das execuções, melhoria das condições básicas da população, etc. Portanto quando o uso excessivo da força torna-se a única arma para combater o terrorismo, o efeitos tendem a ser contraproducentes.
Portanto, o longo conflito indo-paquistanês reside na disputa pela Caxemira indiana cuja população, maioritariamente muçulmana,  não reconhece legitimidade do governo indiano. Por conseguinte, criaram-se grupos terroristas, que o estado indiano julga serem apoiados pelo Paquistão com o fim último de anexar a Caxemira indiana a este país (Paquistão).
Há décadas que não se regista ataques tão mortíferos como o de 14 de Fevereiro de 2019. Tal relativa acalmia foi quebrada devido ao uso excessivo e exclusivo da força no combate contra terrorismo.

Leave a Reply