CARTA ABERTA AOS DEPUTADOS E DEPUTADAS AO PARLAMENTO EUROPEU

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LUANDA, 3 DE JULHO DE 2018

Senhoras Deputadas e Senhores Deputados,

O Presidente de Angola, o senhor João Manuel Gonçalves Lourenço, vai fazer um discurso no Parlamento Europeu, decorridos oito meses no exercício dessa importante função do Estado angolano. É certo que se mantém coerente no que a reiteração do combate à corrupção diz respeito. Tomou efectivamente algumas medidas com o objectivo de pôr fim à privatização do Estado angolano, que funcionava para promover os interesses de membros da família do presidente cessante e da oligarquia angolana estribada no partido MPLA.

Todavia, em face da gravidade dos problemas identificados, não foram ainda anunciados princípios e concretizadas acções para de maneira sistémica empreender reformas de fundo, ao invés de medidas mais cosméticas. A Constituição da República de Angola contempla um regime especial de impunidade para o Presidente da República, com base na irresponsabilidade desse agente público relativamente aos actos praticados no exercício das suas funções, à excepção dos crimes suborno, peculato, corrupção, traição à Pátria e espionagem, e pelo crime de violação da Constituição que atente contra o Estado democrático e de direito, a segurança do Estado e o regular funcionamento das instituições, art. 127.°/1 e 129.°/1/2 da Constituição da República de Angola (CRA). Mais gritante ainda sãos os cinco anos de graça concedidos ao Presidente da República de Angola, após terminado o seu mandato, apenas findos os quais responde por crimes estranhos ao exercício das suas funções, art. 127.°/3 da CRA.

O Tribunal Constitucional de Angola proferiu um acórdão que tem suscitado uma grande contestação pública por ter estabelecido que o poder executivo não pode estar sujeito à fiscalização do Parlamento angolano (Assembleia Nacional de Angola) à excepção do orçamento geral do Estado.

Há várias décadas, por imposição do Partido-Estado, as sessões mais importantes do Parlamento continuam sem ser acompanhadas em tempo real pelos cidadãos angolanos e pelas cidadãs angolanas.

O senhor Presidente João Manuel Gonçalves Lourenço foi eleito em 2017 no contexto de eleições que antes ocorreram em 1992, 2008 e 2012 mas sempre envoltas no desrespeito pela Lei Eleitoral de Angola no que aos procedimentos e regras eleitorais concerne. Existe um certo número de angolanos e angolanas que entendem que as eleições em Angola têm sido fraudulentas. A este propósito hão de lembrar-se os senhores deputados e as senhoras deputadas que o Partido-Estado permitiu apenas que a União Europeia observasse as eleições de 2008, tendo inviabilizado todas as observações subsequentes, com expedientes que têm revelado uma grande falta de seriedade, na opinião de muitos angolanos e muitas angolanas.

A Guerra civil terminou em 2002, todavia, volvidos 16 anos, sob pressão, o Partido-Estado resolveu finalmente começar a implementação do poder local (autárquico) em 2020. Anunciou que faria uma consulta pública para colher as opiniões dos cidadãos e cidadãs em relação as opções a consagrar. A sociedade civil angolana tem sido confrontada com uma campanha liderada pela administração João Lourenço na qual esta tem explicado aos cidadãos e às cidadãs que a implementação das autarquias vai ser gradual. Gradual significa que nem todos os municípios terão autarquias e que mesmo os municípios aos quais forem atribuídas as autarquias, os seus autarcas sujeitar-se-ão à tutela de mérito: poderão ver reprovadas quaisquer decisões que decidirem tomar no quadro das suas funções administrativas caso a administração Central do Estado entenda que, na sua óptica político-administrativa, pelas mais variadas razões aleatórias, não devem ser concretizadas. Angola não terá autarquias em todo o território nacional e nas parcelas do território em que as tiver, o autarca terá uma dependência, uma subordinação, ao Poder Executivo Central do Estado, decorrente da tutela de mérito.

O grande problema atinente à corrupção é a elite política dirigente do Estado ao mesmo tempo ser a elite económica do país, que directa ou por intermédio de testas de ferro faz negócios consigo mesma, fundindo os poderes político e o poder económico num só poder. Sem confirmação ou reacção oficial da Presidência da República de Angola, fez-se notícia de o Presidente João Manuel Gonçalves Lourenço ter-se desfeito de algumas empresas de que era sócio. A ser verdade, é uma regra que deve ser acolhida por todos os agentes públicos em funções, que, aliás, se tornaram empresários em decorrência de cargos públicos que vêm desempenhado, manifestando uma cultura impregnada na mentalidade dos agentes públicos angolanos. Impõe-se, no entanto, que, a ser verdade, haja transparência da parte do senhor Presidente da República no sentido de a sociedade angolana saber a favor de quem as suas quotas foram alienadas, se pagou impostos e cumpriu todas as obrigações legais inerentes a esse tipo de processo. Tal se afigura relevante porque a iniciativa do senhor Presidente a ser verdade e feita com toda a lisura e transparentemente publicitada poderia servir de paradigma para outros agentes públicos.

O processo de acumulação primitiva de capital foi de tal maneira abrangente que nem mesmo alguns magistrados judiciais e do Ministério Público resistiram a essa tentação ou ao aliciamento do poder político tornando-se ilicitamente empresários ou titulares de importantes activos financeiros.

O poder judicial e os órgãos auxiliares do sistema de justiça são indispensáveis ao combate contra a corrupção. Todavia, constitui uma prática reiterada a nomeação de advogados e advogadas ou deputados e deputadas para a chefia dos tribunais superiores de Angola, em detrimento de magistrados e magistradas judiciais e magistrados e magistradas do Ministério Público de carreira. A Procuradoria-Geral da República de Angola há pelo menos vinte anos anda em campanha permanente a lembrar que se deve respeitar o direito ao bom-nome, honra, imagem e reputação dos agentes públicos, que na prática se tem traduzido num forte factor de inibição da cultura do exercício do direito de denúncia, art. 73.° da CRA. Apenas muito recentemente, a Procuradoria-Geral da República de Angola começou, muito timidamente, a incentivar os cidadãos e as cidadãs a apresentarem denúncias relativas à corrupção. Há agentes públicos de quem foram publicamente expostas práticas que constituem crimes de corrupção e peculato, denúncias feitas pelas próprias instituições nas quais trabalharam, sem que, no entanto, a Procuradoria-Geral de Angola até ao presente momento tenha anunciado a abertura de inquéritos.

A Inspecção Geral do Estado, um órgão da Administração Central do Estado angolano, produziu recentemente um relatório sobre a corrupção na administração que veio dar razão aos jornalistas da imprensa privada e organizações da sociedade civil angolana que há anos cumprem a sua quota parte contributiva na luta contra a corrupção. As constatações da Inspecção Geral do Estado são reveladoras de um quadro de imoralidade pública generalizado dos agentes do Estado que é de bradar aos céus!

Os órgãos de comunicação social pública do Estado iniciaram um processo de liberalização que ainda está aquém dos parâmetros compagináveis com a imprensa livre, pluralista e democrática, num Estado de direito e democrático. A imprensa pública não escrutina os actos do Presidente João Manuel Gonçalves Lourenço. E matéria não tem faltado para tal.

Os jornalistas Rafael Marques e Mariano Brás, na sequência de outros processos judiciais contra outros jornalistas, esperam por uma sentença de um processo no qual são acusados de injúria e ultraje a órgãos de soberania pelo ex-Procurador-Geral da República. As autoridades judiciárias, mesmo quando está em causa o interesse público do escrutínio dos actos públicos omissos ou praticados por agentes públicos, presume sempre que os jornalistas dolosamente violam o bom-nome, a honra, a reputação e imagem de agentes públicos.

O sistema bancário angolano funciona de modo a servir de lavandaria interna e externa ao serviço do branqueamento de capitais da oligarquia angolana e as evidências disso começam agora a ficar ainda mais claras. Infelizmente, o que não tem ficado evidente, é a existência de uma intenção concreta e real de se inverter essa percepção. Vários políticos angolanos são donos de bancos comerciais através de um processo de favorecimento de distribuição criminosa de activos e assim permanecem nos dias de hoje. Não se sabe, a ser verdade, se o actual Governador do Banco Nacional de Angola já se desfez ou não da quota-parte que, segundo meios de comunicação social, detinha no Banco BAI.

O Parlamento angolano aprovou a Lei do Repatriamento de Recursos Financeiros que mais constitui um verdadeiro atentado contra o princípio da justiça permitindo a perpetuação do crime de branqueamento de capitais e corrupção.

Existe uma corrente de opinião no seio da sociedade civil angolana que defende que as declarações de rendimentos dos agentes públicos entregues em envelopes lacrados deveriam ser públicas permitindo desta forma o escrutínio por parte da imprensa, indivíduos e de organizações da sociedade civil interessadas em concorrer para a defesa da probidade pública.

Mesmo depois de várias denúncias públicas, não são conhecidos posicionamentos oficiais do executivo angolano ou de autoridade judiciárias angolanas em relação a um processo judicial que corre os seus trâmites legais num tribunal do Reino da Bélgica do qual o Estado angolano poderá recuperar cerca de oito mil milhões de dólares norte-americanos. A postura das autoridades belgas contrasta com o relaxamento do cumprimento de regras por parte das autoridades portuguesas, que têm permitido que este país seja uma lavandaria de capitais ilicitamente expatriados de Angola.

Há um receio, fundado em parte, da sociedade angolana de que o senhor Presidente João Manuel Gonçalves Lourenço se venha a tornar num Presidente com poder absoluto, por o MPLA não ser um partido democrático e as eleições que terão lugar em Setembro serem apenas a formalização da sua entronização como líder absoluto do Partido-Estado.

As pessoas signatárias desta carta aberta esperam que a União Europeia assuma as suas responsabilidades no quadro da cooperação com Angola e faça valer as regras a que, livremente, quer Angola quer a União Europeia se obrigaram a respeitar, atinentes à democracia, eleições honestas, boa governação, luta contra a corrupção, a uma imprensa mais livre, pluralista e democrática, e ao respeito pelos direitos humanos.

Albino Elavoko Capingala
Amélia de Aguiar
António Feliciano
Augusto Africano dos Santos
Bengui Pongoti
Carlos Leitão da Silva
Avisto Tchongolola Mbota
Domingos Afonso
Edson Vieira Dias Neto
Jacinto Pio Wacussanga
José Patrocínio
Laura Macedo
Leandro Freire
Leonardo Pedro Ngola
Livulo Katchikumi Prata
Maria Helena Victoria Pereira
Manuel Mário
Maria Manuela Marques
Muata sebastião
Osvaldo Sérgio Caholo

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