CARTA ABERTA À MINISTRA DA EDUCAÇÃO SOBRE A DISCRIMINAÇÃO DAS CRIANÇAS DE 13 ANOS

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CARTA ABERTA À SUA EXCELÊNCIA, MINISTRA DA EDUCAÇÃO DE ANGOLA SOBRE A DISCRIMINAÇÃO DAS CRIANÇAS DE 13 ANOS NAS ESCOLAS DO PAÍS.

Excelência, antes de tudo desejo-lhe cordiais saudações, na esperança de que esteja a gozar de saúde e muita paz, pois só assim levará adiante a nobre missão que lhe foi incumbida.

Geraldo Gabriel Dala

Excelência, Sou , jovem de 32 anos de idade, professor de Filosofia no IIº Ciclo do ensino Secundário, Liceu nº 8054, residente em Luanda.

Excelência, tomei a iniciativa de redigir-lhe esta missiva, fruto de uma atitude que considero discriminatória, desumana e cruel que está a ser levada a cabo pelas escolas do país e que constitui uma injustiça grosseira para com as crianças de 13 anos que estão a ser impedidas de ingressar no Iº Ciclo, sendo-lhes vetada a inscrição logo à partida, com alegações de que o decreto presidencial 16/11 de 11 de Janeiro de 2011, estabelece a idade necessária apara ingressar em cada subsistema de ensino.

Excelência, salvo erro de minha parte, esta é uma interpretação errada do referido decreto, pois o seu artigo 22º fala da idade mínima obrigatória requerida que são 12 anos e não da idade máxima. Quer isto dizer que apenas crianças menores de 12 anos estão impossibilitadas de ingressar no Iº Ciclo, atendendo ao seu nível de desenvolvimento cognitivo e psico-motor. A ser legítima esta prática de exclusão, então estamos diante de um decreto que precisa ser revogado com a máxima urgência, pois é injusto, discriminatório e sobretudo contraditório, pois no seu artigo 3º, alínea c, estabelece a democraticidade do ensino consubstanciado na igualdade de direitos ao acesso e frequência ao ensino e na participação da resolução dos seus problemas.

Ademais, esta atitude contraria assim o disposto no artigo 9º  da lei 17/16 ( Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino) que estabelece que o sistema de Educação e Ensino em Angola tem carácter universal, pelo que, todos os indivíduos têm iguais direitos no acesso, na frequência e no sucesso escolar nos diversos níveis de ensino desde que sejam observados os critérios de cada subsistema de Ensino, assegurando a inclusão social, a igualdade de oportunidades e a equidade bem como a proibição de qualquer forma de discriminação. De igual modo, o artigo 10º da presente lei estabelece a democraticidade do ensino, pois todos têm o direito de participar do processo de ensino e aprendizagem sem qualquer distinção.  Ora, a garantia da democratização do ensino em Angola pressupõe acesso livre sem entraves, a todo cidadão que esteja em idade escolar, isento de quaisquer formas de discriminação, e, cabe a todos angolanos participar na resolução dos problemas educativos de forma particular e dos problemas sociais de forma geral.

A educação é um direito fundamental da pessoa humana (artigo 26º da Declaração Universal dos Direitos Humanos). O artigo 12º da lei 17/16 consagra a obrigatoriedade da educação primaria e do I ciclo. E à luz da Constituição da República é tarefa do Estado promover o acesso de todos à alfabetização, ao ensino, à cultura e ao desporto…(Artigo 79º da Constituição da República).

Excelência, de relembrar ainda que em 2007 o Estado angolano assumiu 11 compromissos com a criança, e o 5º compromisso defende a educação primária e formação profissional como premissa fundamental bem como a universalização de uma educação primária de qualidade a todas as crianças dos 6 aos 18 anos. Diante disto, é mais do que evidente que o Estado está a dar tiro na sua própria perna, porque esta universalização é uma miragem e uma falácia política, pois é o próprio governo que através do Ministério da Educação está a inviabilizá-la.

Deste modo, é inaceitável a discriminação que está a ser praticada nas escolas do Iº Ciclo, visto que lesa a   universalidade e a democraticidade da educação e do ensino, pelo que, sem qualquer distinção, todos os cidadãos angolanos têm iguais direitos no acesso e na frequência aos diversos níveis de ensino, a não ser que me consiga convencer que as crianças de 13 anos em Angola já não se encontram em idade escolar.

Algumas questões no meu íntimo não se querem calar e desejaria respostas satisfatórias: Que razões objetivas diante da legislação em vigor e dos compromissos assumidos fundamentam esta discriminação do Ministério da Educação, pois o factor idade não justifica em todo esta atitude? Por que é que o Estado está a demitir-se da sua tarefa? Como fica a situação escolar destas crianças?

Excelência, é pratica recorrente das instituições angolanas violar os direitos dos cidadãos, sem se importar com as consequências que daí resultam. Se a criança é o futuro do amanha, não existe futuro sem educação, pois ela é base para o desenvolvimento da personalidade, da cidadania, do civismo e da moral bem como do progresso social. Que futuro terá uma criança que não tem acesso a educação?

Estas crianças e seus familiares não são culpados de ingressarem de forma tardia no ensino secundário, pois são vítimas do sistema corrupto e incompetente do governo do MPLA, que durante décadas tem pilhado sem dó nem piedade os recursos de todos os angolanos, beneficiando e enriquecendo um número reduzido de cidadãos, diminuindo concomitantemente as salas de aulas e roubando o futuro das crianças deste país.

Como prova do que digo sobre a corrupção do sistema educativo que prejudica gravemente estas crianças, tomo como exemplo a Escola do ensino primário e do I ciclo nº 2068, situada no Município de Belas, Distrito do Ramiros que no presente ano lectivo, não está admitir matriculas na 1ª classe e na 7ª classe, alegando superlotação de alunos nas salas de aulas. O que será destas crianças com idade escolar que estão a ser impedidas de ingressar na 1ª classe? Sendo a 1ª classe uma classe de transição automática que justificação fundamenta esta medida? Não haverá primeira classe na referida escola no presente ano lectivo? A culpa é dos seus familiares ou do Estado? A ser culpa do Estado por que é que s devem pagar por isso?

Excelência, a Constituição da República no seu artigo 80º sobre a infância estabelece o seguinte:

  1. A criança tem direito à atenção especial da família, da sociedade e do Estado, os quais, em estreita colaboração, devem assegurar a sua ampla protecção contra todas as formas de abandono, discriminação, opressão, exploração e exercício abusivo de autoridade, na família e nas demais instituições.
  2. As políticas públicas no domínio da família, da educação e da saúde devem salvaguardar o princípio do superior interesse da criança, como forma de garantir o seu pleno desenvolvimento físico, psíquico e cultural.

Excelência, não encontrando qualquer respaldo legal desta medida exclusiva, insto-vos a reparar esta injustiça, e mais do que a obrigação legal relatada aqui, apelo ao Seu senso moral e à Sua boa-fé, para que tenha compaixão destas pobres crianças, filhos e não enteados de Angola, que têm o direito de usufruir das riquezas de sua terra independentemente da sua condição social. É tarefa do Ministério que tutela incluir e não excluir. Esta medida apenas está a prejudicar os filhos dos pobres e miseráveis que andam de pés descalços, pois os filhos dos marimbondos e endinheirados em nada são lesados, pois nem sequer estudam nas escolas públicas.

Excelência, o lema do executivo de que faz parte é melhorar o que está bem e corrigir o que está mal. Sendo assim eu pergunto: é desta forma que se está a melhorar o que está bem e a corrigir o que está mal ou se está a piorar ainda mais o que está mal?

É mais do que evidente que esta medida está em contramão com a Constituição, a Lei de   Bases do Sistema de Educação e Ensino e os 11 compromissos com a criança assumidos por vós.  Sendo assim, para o bem do Estado, das famílias visadas e destas crianças considero que é tempo de reparar esta injustiça através da sua integração e inclusão. A marginalização de que estão a ser vítimas é uma irracionalidade selvagem que sem sombras de dúvidas custará caro a estas crianças em particular e ao país em geral.

Todos por uma educação universal e democrática. Abaixo a descriminação.

 

Feita em Luanda, aos 21 de Janeiro de 2019

 

Referências

 

Constituição da República de Angola, 2010.

Lei nº 17/16 de 7 de Outubro (Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino)

Decreto Presidencial 16/11 de 11 de Janeiro de 2011

Declaração Universal dos Direitos Humanos

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