CAMPO DA MORTE: CASO N.º 41: O VIZINHO MATADOR

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VÍTIMA: Alexandre Carlos “Da Cazanga”, 18 anos, natural de Luanda

DATA: 7 de Setembro de 2016

LOCAL: bairro 6, rua 2, próximo do Campo da Morte, município de Viana

OCORRÊNCIA:

“Três meses antes, o meu vizinho da DNIC [SIC], ‘Ti Paulo’, veio ter comigo e disse-me para enviar o meu filho para o mato, porque ele estava na lista para ser morto”, conta Carlos Francisco Alexandre.

Agradecido, o pai enviou o filho ao município de Calulo, na província do Kwanza-Sul. “Mas, como esses miúdos são teimosos, ele regressou contra a minha vontade”, conta.

Passou a ser vigiado pelos operacionais do SIC. “No dia 6, por volta das 7h00, o meu filho pediu 50 kwanzas à mãe e foi à cantina comprar detergente para lavar a sua roupa. Quem o agarrou, na cantina, foi o próprio chefe Paulo. Como ele estava acompanhado por mais outro operacional, o miúdo resistiu mas conseguiram amarrá-lo e meteram-no numa motorizada”, conta.

É comum, nessas operações, o capturado ser levado até à esquadra e/ou local de execução numa motorizada, entre dois agentes. Carlos Francisco Alexandre seguiu o vizinho e encontrou o seu filho amarrado na subunidade [conhecida como das madres] da Esquadra dos Contentores [Estalagem], e o responsável das operações, o seu vizinho Paulo.

“O chefe Paulo perguntou-me se eu não tinha vergonha de acudir o meu filho depois de me ter dito para enviá-lo para a província. Respondi que, como pai, era meu dever saber sobre o meu filho”, conta.

“O chefe Paulo perguntou-me por que o meu filho voltou do mato. E disse-me: ‘vai preparar o caixão porque vamos matá-lo hoje mesmo. Enxotou-me dali”, denuncia.

Persistente, o pai dirigiu-se à esquadra principal para interceder pela vida do seu filho. “Os agentes da DNIC disseram-me: ‘Vamos te educar.’ Levaram-me para uma sala, pegaram numa catana, e com o lado, bateram-me nas palmas das mãos, muitas vezes, até as mãos ficarem todas inflamadas.”

Mesmo com as mãos inflamadas, depois de libertado, o pai foi em busca de pão para alimentar o seu filho. Permitiram-lhe que o entregasse. No dia seguinte, logo pela manhã, deslocou-se à referida unidade para saber da situação do filho. Enquanto aguardava, o filho e um outro jovem desconhecido foram levados pelos operacionais até à sua rua, passando perto de sua casa. Foram executados a poucos metros da casa, próximo do Campo da Morte.

Da Cazanga foi fuzilado com dois tiros na cabeça e um terceiro na perna direita. Tinham passado seis dias desde que regressara de Calulo.

Os assassinos separaram os cadáveres e deixaram o jovem não identificado mais adiante.

“O único dia em que o meu filho esteve detido foi no dia anterior ao seu fuzilamento. Ele gostava de lutar na rua, era confusionista, mas não era bandido. Alguns desses polícias, que conheço bem, têm filhos altamente delinquentes mas não os matam, protegem-nos”, afirma o pai.

 

Fonte: «O campo da morte – Relatório sobre execuções sumárias em Luanda, 2016/2017», Rafael Marques de Morais

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