CAMPO DA MORTE: CASO N.º 36: OS SOBREVIVENTES E A LISTA DOS ALVOS

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VÍTIMAS: Samuel Jamba “Jambito”, 23 anos, natural de Benguela (família do Huambo); Simão Celestino, 24 anos, natural de Benguela

DATA: 10 de Outubro de 2016

LOCAL: bairro Mulenvos de Cima, município de Viana

OCORRÊNCIA:

“Eu estava em casa quando um jovem bateu à porta e perguntou por mim. Ele disse-me ‘não tenhas medo, só queria conhecer-te’”, recorda Jambito.

Minutos depois, dois agentes da Polícia Nacional apareceram em sua casa com o referido jovem e detiveram-no. Levaram-no para a Esquadra da Ponte Partida, “onde me torturaram com uma catana, nas costas, até ficar despelado, tipo frango”, denuncia Jambito.

“O tal jovem foi quem mais me torturou. Acusaram-me de ter assaltado a casa de um vizinho, coronel na reserva, e de ter roubado saldo [cartões de recarga de telefone], documentos e passadores militares ”, conta.

No dia seguinte, o seu amigo Simão Celestino também foi detido pelo mesmo “crime”, que ambos afirmam não ter cometido. E passaram mais dois dias a serem torturados com tábuas e mangueiras.

Depois de terem sido libertados, a partir da cela do Comando Municipal da Polícia Nacional, em Viana, Jambito teve a coragem de apresentar queixa contra os seus torturadores. “Deram-me uma soltura sem número de processo, sem nada. O oficial que recebeu a queixa disse apenas que iriam punir os torturadores e nunca mais me disseram nada.”

“Eu nunca estive detido, nunca tive problemas com a lei, trabalho como moto-taxista para ganhar o meu sustento”, revela o jovem. Esse caso é tanto mais extraordinário quanto nos revela a mãe de Jambito, corroborada por outras mães da vizinhança.

Aparentemente, o motivo da detenção resumia-se à inclusão dos seus nomes numa lista elaborada por um vizinho, identificado como Simão Catequele [vendedor de cartões de recarga de telefone], e seus filhos, para a “limpeza” de supostos marginais. E, no caso de Jambito, havia por trás um enredo passional.

“Os agentes [da Polícia Nacional] primeiro perguntaram-me, como mãe, se o meu filho estava a namorar com aquela moça [nome omitido]. Começaram a espancá-lo aqui em casa, na minha presença”, diz Joaquina Nana. “Perguntei por que estavam a bater no meu filho. E disseram-me que ele era bandido e fumador de liamba. Eu disse-lhes: ‘vocês são da lei, têm de explicar o que a pessoa cometeu. Revistaram a casa e não encontraram nada”, continua.

A mãe argumenta que, se fosse gatuno, o seu filho não estaria, naquele dia, “a almoçar pão com lambula [sardinha], que o vizinho lhe deu porque não havia comida em casa. Se tivesse dinheiro do roubo não comeria do dinheiro que roubou?”

Após a soltura do filho, Joaquina Nana levou-o à casa de Simão Catequele para mostrar o resultado da sua denúncia. “O Catequele respondeu-me apenas que não foi ele quem bateu no meu filho. Eu disse-lhe que ‘você é quem lhe bateu porque foi você quem fez a lista’”, afirma Joaquina Nana.

“O Ti Simão [Catequele] explicou-me que houve um mal-entendido da Polícia, que houve engano no nome que estava na lista dele. Sinto uma grande dor no peito. Não fiz nada”, desabafa Jambito.

O modo como a vizinhança teve conhecimento desta lista de alvos está explicado em detalhe no Caso n.º 31.

 

Fonte: «O campo da morte – Relatório sobre execuções sumárias em Luanda, 2016/2017», Rafael Marques de Morais

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