A FARSA DO CHARME POLÍTICO DAS AUDIÊNCIAS: CABINDA, LUNDA E OUTRAS FREGUESIAS

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Por Nuno Álvaro Dala

Na primeira semana de Dezembro, o Presidente da República recebeu em audiência alguns representantes de ONGs e associações. O facto foi celebrado efusivamente como (mais uma) evidência de que o actual governo, liderado por João Lourenço, estabeleceu uma data de corte com as eduardistas práticas de perseguição, bloqueio, ostracismo e marginalização às individualidades e organizações da sociedade civil que não dançavam o semba do velho ditador. Celebrou-se também a alegação de que a sociedade civil foi recebida em audiência pelo Chefe de Estado.

A audiência em si foi um facto positivo. Foi uma demonstração da existência de abertura da parte do Presidente da República e de uma agenda de aproximação de posições no que aos assuntos públicos diz respeito. Todavia, se é verdade que a audiência presidencial a representantes de ONGs e associações com historial de não alinhamento com a governação nefária de José Eduardo dos Santos, de má memória, representou um passo importante no esforço de realização de uma governação sensível aos posicionamentos da sociedade civil, já não o é quando se afirma que «o Presidente da República recebeu os representantes da sociedade civil angolana». Essa afirmação é falsa e enganadora. Mas este assunto desenvolveria num outro texto.

A 17 de Novembro, vários cidadãos foram detidos pela Polícia Nacional na Província da Lunda Sul quando realizavam uma «manifestação pacífica», organizada pelo Movimento do Protectorado Lunda Tchokwe. A Procuradoria Geral da República acusa-os formalmente de terem cometido os crimes de rebelião e tentativa de golpe de Estado, conforme dados constantes no Processo Nº 3512/2018.

Os acusados são: José Eduardo Dinis Pedro, Narciso Simão, André Dias, Orlando Rodrigues Mukuta, Domingos Jamba, Domingas Fuliela, Silvano Jonas, José Raimundo Muatangui, Manuel Xili Satuco, António Bernardo Nafupa Txifaha Mufana e Gustavo Nawaquela.

A 7 de Dezembro, 3 cidadãos (João Heleno, José Chicaia e Nelson Liambo Tati) foram detidos por agentes da Polícia Nacional em Cabinda quando se encontravam a mobilizar cidadãos locais para que participassem na Marcha Contra o Desemprego, que teria lugar na Cidade de Cabinda. Foram detidos sob a acusação de incitação a actos subversão da ordem pública. Transcorridos alguns dias, os mesmos foram libertados.

A 15 de Dezembro, cerca de 10 cidadãos (Alexandre Kwanga Nsito, Celestino Manhito, Félix Ngonda Baveca, Alfredo Ledi, José Hilário Gime, Marcos Lúbuca, Dito Bumba e outros não identificados) foram detidos em Cabinda por agentes da Polícia Nacional quando se encontravam a realizar uma marcha de celebração do 70º Aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos, organizada pela ADCDH (Associação para a Desenvolvimento da Cultura dos Direitos Humanos). Note-se que no momento do arranque da marcha, isto é, às 12h30, logo que a polícia chegou ao local de partida, um dos comandantes da Polícia Nacional agrediu o operador de câmara da TPA, que se identificou como Filipe, tendo-lhe apontado uma pistola e o obrigou a apagar as imagens que havia gravado. Filipe foi obrigado a abandonar o local e depois da detenção dos activistas, o Director Provincial do SIC e o Comandante Municipal da Polícia Nacional em Cabinda dirigiram-se à Direcção da TPA, na pessoa do Director daquela instituição, para exigir que fossem apagadas quaisquer imagens ou matéria recolhida na marcha da ADCDH.

Estes e demais factos demonstram eloquentemente que as autoridades continuam a padecer da neurose antiga de enxergar conspirações contra a ordem pública estabelecida e rebelião e tentativa de golpe de Estado em tudo quanto sejam iniciativas cidadãs de reivindicação e protesto.

Sendo verdade que os activistas de Cabinda foram libertados, o mesmo não ocorre com os activistas do Movimento do Protectorado Lunda Tchokwe, que se encontram encarcerados até à data presente.

A detenção sistemática de activistas em Cabinda, geralmente pelas mais quixotescas razões, revela a manutenção da agenda da repressão e da violência, a qual acaba sendo elemento que contribui para o aumento do sentimento de revolta e para as tendências e aspirações independentistas. Ou seja, o novo Presidente da República continua a implementar a mesma política errática do seu antecessor, o qual implementou uma regência de ferro em Cabinda, tendo acabado por exaltar mais ainda as aspirações independentistas dos cabindas.

O mesmo sucede nas províncias da Lunda Norte e Lunda Sul, onde a violência policial continua a ser o que as autoridades consideram como a melhor resposta às reivindicações do Movimento do Protectorado Lunda Tchokwe.

Verifica-se claramente uma contradição entre o discurso ínsito no charme político das audiências e a realidade na Província de Cabinda, na Província da Lunda Norte e na Província da Lunda Sul.

Trago à memória pública que os 36 ex-militares acusados de tentativa de golpe de Estado continuam encarcerados. Eram 37, mas um foi libertado por «razões humanitárias» (foi alvo de tanta tortura que perdeu a sanidade mental) e os 4 jovens muçulmanos, acusados de actos preparatórios de terrorismo e associação com o Estado Islâmico (Daeshi) continuam encarcerados.

A neurose continua.

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